Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Como dividir silabicamente as palavras: pneu, psicologia e abstrato?

O que é que mudou ao nível da divisão silábica com a entrada em vigor do novo acordo ortográfico?

Resposta:

O novo acordo ortográfico não fez alterações relativamente às regras da divisão silábica, o que pode verificar pela leitura da sua Base XX: Da Divisão Silábica. Repare-se que, tal como já era habitual, é dada a seguinte indicação: «A divisão silábica, que em regra se faz pela soletração (a-ba-de, bru-ma, ca-­cho, lha-no, ma-lha, ma-nha, má-xi-mo, ó-xi-do, ro-xo, te-me-se), e na qual, por isso, se não tem de atender aos elementos constitutivos dos vocábulos segundo a etimologia (a-ba-li-e-nar, bi-sa-vó, de-sa-pa-re-cer, di-sú-ri-co, e-xâ-ni-me, hi-pe-ra-cús-ti-co, i-ná-bil, o-bo-val, su-bo-cu-lar, su-pe-rá-ci-do), obedece a vários preceitos particulares, que rigorosamente cumpre seguir, quando se tem de fazer em fim de linha, mediante o emprego do hífen, a partição de uma palavra.»

Portanto, pneu, como é uma palavra com uma única sílaba, não se divide — pneu.

Por sua vez, abstrato divide-se em três sílabas: abs-tra-to (de acordo com o ponto 3: «As sucessões de mais de duas consoantes [...] e duas ou mais consoantes são divisíveis por um de dois meios: se nelas entra um dos grupos que são indivisíveis, esse grupo forma sílaba para diante, ficando a consoante ou consoantes que o precedem ligadas à sílaba anterior [...]. Exemplos dos dois casos: cam- braia, ec- lipse, em- blema, ex- plicar, in- cluir, ins- crição, subs- crever, trans- gredir; abs- tenção, disp- neia, inters- telar, lamb- dacismo, sols- ticial, Terp- sícore, tungs- ténio.

Por último, a palavra psicologia divide-se em cinco sílabas — psi-co-lo-gi-a...

Pergunta:

Eu gostava de saber o significado dos seguintes provérbios:

«Peixe podre, sal não cura.»

«Em rio sem peixe, não deites a rede.»

Resposta:

«Peixe podre» é uma expressão idiomática que se refere, geralmente, a um «ser desprezível; sem valor» (Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas, de António Nogueira Santos), a alguém que se deixou corromper pelo mal. Por isso, apodreceu. Por sua vez, o sal tem a propriedade de manter são (no sentido de próprio para ser usado/consumido), de não deixar estragar/apodrecer qualquer alimento. É essa a razão pela qual, no passado, se salgavam a carne e o peixe para que não se estragassem, apodrecessem, para que pudessem ser comestíveis sem que fizessem mal à saúde de que os consumia.

Ora, quando algo já está podre/estragado, já não há remédio algum que o possa recuperar. É, portanto, este o sentido do provérbio: Quando alguém ou alguma coisa já se degradou, não há nada que a possa salvar.

Por sua vez, o provérbio «Em rio sem peixe, não deites a rede» representa um conselho para que não se desperdice tempo a procurar encontrar algo (precioso, decerto!) num universo que é (re)conhecido como pobre/sem qualquer recurso/bem. É um alerta que apela, como é próprio dos provérbios, ao bom senso, ao respeito pelo conhecimento/saber dos outros e ao perigo de se crer demasiado na ilusão de se ser ousado e diferente.

Pergunta:

Nos tempos do arcebispo Macário, as notícias diziam que «em Chipre etc. etc.». Agora os comentadores de futebol dizem que «no Chipre»...

Já agora, é «em Almada», ou «na Almada»; «em Corroios», ou «no Corroios», ou talvez «na Lisboa»?...

Gostava de saber que regra comanda o uso desta preposição nestas circunstâncias.

Resposta:

Há, de facto, regras para o emprego do artigo nos nomes próprios, classe onde se inserem os topónimos, embora os falantes tenham vindo a introduzir as formas que consideram mais adequadas sempre que se referem a continentes, a países, a cidades e a qualquer localidade.

Cunha e Cintra, na sua Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Sá da Costa, 2002, pp. 225), esclarecem-nos sobre o uso do artigo com os nomes  próprios:

«Sendo por definição individualizante, o nome próprio deveria dispensar o artigo. Mas, no curso da história da língua, razões diversas concorreram para que esta norma lógica nem sempre fosse observada e, hoje, há mesmo grande número de nomes próprios que exigem obrigatoriamente o acompanhamento do artigo definido. Entre essas razões, devem ser mencionadas:

«a) a intenção de reforçar a ideia de individualidade, de um todo intimamente unido, como se concebe, em geral, um país, um continente, um oceano: o Brasil, a França, a Itália, a América, a África, a Europa, o Atlântico, o Índico, o Pacífico;

«b) a de ser o nome próprio originariamente um substantivo/nome comum, construído com o artigo: a Guarda (do nome comum guarda; o Porto (do substantivo comum porto).»

Assim, relativamente aos nomes geográficos, estes gramáticos indicam-nos os casos de emprego do artigo definido, assim como os de não-ocorrência do determinante:

«1.º Emprega-se normalmente o artigo definido com os nomes dos países, regiões, continentes, montanhas, vulcões, desertos...

Pergunta:

Sabendo que o adjetivo pátrio pode significar «referente à ou da pátria» e «referente ao ou do pai», gostaria de esclarecer minha dúvida: há relação etimológica entre as palavras pátria e pai? Faz sentido utilizar a palavra pátria na acepção de pai (genitor)? Não possuo um dicionário etimológico e fico um pouco receosa a respeito das informações encontradas na Internet.

Resposta:

Embora cada uma das palavras designe conceitos distintos, há relação etimológica entre as palavras pátria e pai, porque ambas têm em comum o radical latino patr- ou pater-, «elementos  de composição de pai (do latim pater- > padre > *pade > pai ), de pátria (do latim patrĭa, ae, "pátria; país natal") e de pátrio (do latim patrīus,a,um, "que pertence ao pai, do pai; da pátria). As vias por que essas palavras foram transmitidas é que são diferentes: pátria chegou por via erudita ou culta, enquanto pai evoluiu por via popular.

Repare-se que todos estes termos refletem a ideia de universo de origem, de nascimento, de pertença, pois o conceito de pátria está associado, desde o início, a «linhagem, raça, descendência, família, tribo» (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). E, se nos fixarmos nos significados de pátria, não há dúvida de que nos apercebemos de laivos semânticos ligados à origem, à pertença: «país em que cada um nasceu e de que é cidadão; lugar de origem; lugar onde uma pessoa se sente melhor ou em relação ao qual nutre um sentimento de pertença» (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2010).

É essa a razão pela qual o adjetivo pátrio — «do latim pătrĭu-, "relativo a pai (como chefe de família), paternal; relativo aos pais, transmitido de pais para filhos"» (Dicionário E...

Pergunta:

Como se conjuga o condicional do verbo trazer no caso seguinte: «Trazer um bilhete»... «Ele trá-lo-ia», está correcto?

Resposta:

«Ele trá-lo-ia» é, sem qualquer dúvida, a forma correta do condicional conjugado pronominalmente, tendo como pronome (objeto direto) a modalidade lo, «proveniente do acusativo do demonstrativo ille (= aquele)» — «posposto a formas verbais terminadas em -r, -s ou -z, o l- inicial assimilou aquelas consoantes, que depois desapareceram» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 280).

Todos sabemos que o condicional simples do verbo trazer é: «Ele traria.» No entanto, como se trata de uma conjugação pronominal, esta está sujeita a uma determinada regra que implica o uso mesoclítico do pronome (ou seja, a colocação do pronome no interior do verbo), posição obrigatória nas formas do futuro e do condicional. Trá-lo-ia resulta do seguinte processo do condicional do verbo irregular trazer: trar – (h)-ia  trá-lo-ia.

Por analogia com as formas pronominais do futuro e do condicional dos verbos regulares, os verbos irregulares seguiram o mesmo processo. Segundo a norma, a colocação do pronome no interior do futuro e do condicional «justifica-se por terem sido estes dois tempos formados pela justaposição do infinitivo do verbo principal e das formas reduzidas, respetivamente, do presente e do imperfeito do indicativo do verbo haver. O pronome empregava-se depois do infinitivo do verbo principal, situação que, em última análise, hoje se conserva. E, como todo o infinitivo termina em -r, também nos dois tempos em causa desaparece es...