Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Hoje, enquanto dava a minha aula, surgiu-me uma dúvida. Fui pesquisá-la, mas nenhuma das respostas obtidas era a mais sensata para uma aula com crianças. Um aluno perguntou-me qual o antónimo de inteligente. Com a pesquisa encontrei algumas respostas: estúpido, idiota, tolo... mas não considerei as mais apropriadas para dar a uma criança, que ouvindo alguma delas iria imediatamente denotar o seu significado. Alguém me saberia dar uma resposta mais coerente?

Resposta:

A realidade é que inteligente e inteligência designam uma qualidade de tal modo valorizada, que tudo o que lhes seja contrário acaba por ter sentido depreciativo e até pejorativo. Esta situação leva a que frases como «o João é pouco inteligente» ou que «ele não é inteligente» sejam interpretadas quase inevitavelmente (mas não necessariamente) como «ele é incapaz/tolo/estúpido/ignorante/ingénuo». Tal não não exclui possibilidades como «o João é pouco inteligente, mas tem um coração de ouro».

Das duas, uma: ou evitar o uso desses antónimos em contexto escolar, ou evitar o uso das palavras inteligente e inteligência. Mas, como não é isso que queremos, continuaremos a falar de inteligência e da falta dela, com o bom senso que tivermos.

Pergunta:

A palavra objeto tem alguma regra específica para o seu uso na concordância com o substantivo?

Na frase abaixo, como devo usar objeto ou objetos?

«Nos mesmos Autos foram penhorados os imóveis objeto das Matrículas 2363 e 2589.»

Obrigada.

Resposta:

Quando se usa a expressão «ser objecto», a palavra objecto costuma manter-se invariável:

«A Terra e as pessoas que a habitam são objecto de estudo da Geografia.»

Na frase apresentada pelo consulente, há imóveis aos quais se atribuem duas matrículas. Se tais imóveis constituem o referente a que se reportam globalmente as duas matrículas, a frase está correcta desde que parafraseável do seguinte modo:

«Nos mesmos Autos foram penhorados os imóveis que são objecto das Matrículas...»

No entanto, se «ser objecto» significa «ser o tema, assunto (de qualquer coisa)», parece-me um tanto descabido usar esta expressão com matrícula, porque esta palavra designa um meio de identificação e não um determinado discurso. É por isso que eu construiria a frase de outra maneira:

«Nos mesmos Autos foram penhorados os imóveis a que se atribuem as Matrículas...»

Pergunta:

Não encontrei em gramáticas aposto circunstancial. O que é?

Grato.

Resposta:

Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, Rio de Janeiro, Editora Lucerna, pág. 457) define o aposto circunstancial como um aposto explicativo com valor secundário:

«[pode ser de] comparação, tempo, causa, etc., precedido ou não de palavra que marca esta relação a mais, já que o aposto explicativo acrescenta um dado a mais acerca do fundamental»

Exemplos (ibidem):

«As estrelas, grandes olhos curiosos, espreitavam através da folhagem.»

Bechara observa que «[...] este tipo de aposto pode ser introduzido por como, na qualidade de:

As estrelas, como grandes olhos curiosos, espreitavam através da folhagem.»

Quando também pode introduzir este aposto (ibidem):

«D. João de Castro, quando vice-rei da Índia, empenhou os cabelos da barba.»

Pergunta:

Qual a ortografia correcta? Ao fim de 57 anos mudam-nos os nomes, pois sempre usei a ortografia actualizada de Manuel Tomás. A Lei n.º 7/2007, de 5 de Fevereiro, criou esta confusão com o artigo n.º 9 e a recuperação dos "vocábulos gramaticais" do registo de nascimento. O que são vocábulos gramaticais? Como interpretar, em ligação com este artigo n.º 9, o artigo n.º 60 da mesma lei que ordena a correcção ortográfica? Qual a vossa opinião sobre esta situação? Muito obrigado.

Resposta:

O artigo 9.º do diploma em apreço tem a seguinte formulação:

«Artigo 9.º
Apelidos e nome(s) próprio(s)
Os apelidos e o(s) nome(s) próprio(s) do titular são inscritos no cartão de cidadão de harmonia com os vocábulos gramaticais que constam do respectivo assento de nascimento.»

Por vocábulos gramaticais entende-se palavras que têm a grafia e a morfologia que identificam a actual língua portuguesa.

O artigo 60.º do mesmo documento diz assim:

«Artigo 60.º
Erro ortográfico no assento de nascimento
Detectando-se erro ortográfico notório no assento de nascimento, deve ser imediatamente promovida a rectificação oficiosa do assento de nascimento e devem ser tomadas providências para que a inscrição no cartão de cidadão seja feita sem o erro.»

A possibilidade de erro ortográfico que é referida reporta-se naturalmente às regras ortográficas existentes.

Não vejo, portanto, que haja actualmente normas que obriguem os cidadãos portugueses a regressar a grafias antigas ou arcaizantes. O consulente pode continuar a assinar Manuel Tomás sem sobressalto.

Pergunta:

Agradecia a explicação da diferença entre a palavra acção e a palavra actividade.

Resposta:

A diferença entre as palavras em apreço é, por vezes, muito pequena. Têm basicamente os seguintes significados:

acção: «acto ou efeito de agir»
actividade: «qualidade do que é activo»

Por outro lado, caracteriza-se actividade por uma maior complexidade, constituindo um conjunto de actos ou acções, pelo que é frequentemente um sinónimo de profissão. Digamos que a acção é inerente a ideia de intervenção, enquanto a actividade, a de tarefa.

Em todo o caso, a diferença está sobretudo nas expressões e nos contextos que diferenciam as duas palavras. Fala-se assim de «um filme de acção» (não se diz «filme de actividade»), enquanto se usa «relatório de actividades» ou se refere alguém ou alguma coisa como estando «em plena actividade». Há ainda casos em que o contexto é igual, mas o sentido é diferente: um «plano ou programa de acção» não é o mesmo que um «plano ou programa de actividades».