Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Lendo mensagens enviadas a respeito de origem e significado de sobrenomes portugueses, gostaria de saber se há algo que pudessem me informar nesse sentido sobre o sobrenome Maroubo (por vezes aparentemente também soletrado "Marobo", "Marouvo" e "Marovo"). Meu bisavô, Manuel Joaquim Marobo, veio de Portugal para o Brasil no início do século XX, mas não sei precisar sua região exata de origem.

Desde já, muito obrigada.

Resposta:

Com as formas indicadas, não encontro registo do apelido em questão. No entanto, José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, acolhe a forma Marouba, que é topónimo de Ponte de Lima (Norte de Portugal), com origem no nome comum marouba, «variedade de cereja». O mesmo autor também regista o apelido Marouvas, sendo de opinião que tem origem numa alcunha formada a partir do referido nome comum.

Não se julgue, porém, que este apelido é exclusivo do Norte de Portugal. O Tratado das Alcunhas Alentejanas, de Francisco Martins Ramos e Carlos Alberto da Silva (Lisboa, Edições Colibri, 2003), indica que existe como apelido a forma Marova e Marovas, na zona Montemor-o-Novo e Redondo (Alentejo).

Se Maroubo tem que ver realmente com todas estas formas, assinale-se que a etimologia proposta por Machado é contestada. A. de Almeida Fernandes, na Toponímia Portuguesa (Arouca, Associação para a Defesa da Cultura Arouquense, 1999, pág. 413), escreve o seguinte:

«Não creio que as cerejas (frutos) originassem, e conservassem, um topónimo. Quero ver aí o pré-romano Merobio, séc. VI, e não o derivado "*amarouba", de "amaro" (cerejas amargas, como de facto são).»

Por outras palavras, para Fernandes, é mais provável que o topónimo Marouba, de Ponte de Lima, seja anterior à conquista romana da Península Ibérica. Isto poderia querer dizer que, em última análise, o sobrenome Maroubo é a adaptação desse nome lugar a nome de família. Mas assim também não se contradiz a hipótes...

Pergunta:

Gostaria de saber qual o significado de "Lomofonias", que aparece como título de uma rubrica da revista Única, do jornal Expresso.

Resposta:

Trata-se de um neologismo do próprio semanário, criado com base em "lomografia", que significa «fotografia feita ou hobby fotográfico feito com a máquina LOMO» (sigla em russo: Leningradskoye Optiko Mechanichesckoye Obyedinenie — «União de Óptica Mecânica de Leningrado»; na época da União Soviética, Leninegrado era o nome de Sampetersburgo). "Lomofonia" significará, deste modo, qualquer coisa como «entrevista com figuras típicas do quotidiano», como que a evocar a estética que actualmente se associa ao uso da LOMO, normalmente dedicada a temas da vida urbana.

Pergunta:

Gostaria de saber se o termo «direito autoral» encontra respaldo no vocabulário do português de Portugal.

Já li respostas conflituantes no vosso site onde se admite o uso do adjectivo autoral, até mesmo autorial. EM 10 de Janeiro do corrente ano, CM responde com citação do dicionário eletrónico Houaiss, resposta que não me convence por se tratar de dicionário brasileiro.

Particularmente utilizo «direitos autorais», como variante de «direitos de autor», mas encontro sempre objecções por bandas lusitanas. Gostaria de uma resposta convincente sobre a possibilidade do uso em Portugal para poder dissipar qualquer erro futuro na minha escrita.

Resposta:

O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa, publicado em Portugal em 2001, regista autoral, no sentido de «relativo a autor»; a palavra está ainda atestada no mesmo dicionário pela expressão «direitos autorais». Não sei qual é a argumentação de quem diz ao consulente que autoral é desaconselhável; eu não lhe vejo problema nenhum. Admito, porém, que autorial seja encarado com relutância, porque é o aportuguesamento do inglês auctorial (cf. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).

Pergunta:

Dado que as regras de translineação do português e do inglês são diferentes (nesta última a base da translineação é a formação das palavras e não simplesmente silábica), fico por vezes em dúvida sobre que regra aplicar quando surgem termos ingleses num texto português. Por exemplo, será que, num texto em português, a palavra marketing deverá ser translineada assim: "mar-ke-ting", ou "mar-ket-ing" (de acordo com a formação da palavra em inglês)?

Agradeço qualquer ajuda que me possam dar.

Resposta:

A pergunta que faz é extremamente pertinente e não encontra resposta nos prontuários que consultei. Mas considero que é recomendável a translineação à portuguesa, uma vez que é possível separar a palavra em sílabas gráficas: "mar-ke-ting". No caso de grafemas geminados (bottle, hatter), poder-se-á seguir o mesmo critério que se aplica a <ss> e <rr>, ou seja, separá-los: "bot-tle".

Pergunta:

Agradeço que me informem, e porquê, sobre se o verbo constar tem sujeito, ou se é um verbo impessoal transitivo sem sujeito.

Resposta:

O verbo constar é normalmente um verbo intransitivo e rege a preposição de; outros gramáticos preferem classificá-lo como verbo transitivo indirecto, seleccionando um complemento preposicionado.

Considera-se este verbo um verbo unipessoal, visto que, pelo seu sentido, costuma admitir um sujeito da 3.ª pessoa do singular ou do plural.

Pode ter significados diferentes, conforme os contextos.

Por exemplo:

1 — «consistir em», «figurar em»:

a) — «a peça consta de três partes»; «a refeição consta de sopa, um prato de peixe e sobremesa» = «... consiste (em)...»

b) — «esses nomes não constam da lista de aposentados» = «... não  figuram (em)...»

2 — O verbo também pode ter o significado de: «dizer-se», «ser dado como certo», «chegar ao conhecimento de alguém sem ter sido comprovado». Neste caso, emprega-se com oração subordinada completiva com a função de sujeito e, opcionalmente, com um complemento indirecto.

Praticamente tem o significado de «diz-se».

Exemplos:

«Consta que vai haver remodelação na Administração»; «essa novidade constou ontem na empresa»; «não me consta que tenhamos de passar a picar o ponto».

Verbos impessoais são os que não têm sujeito. Por exemplo: o verbo haver na acepção de «existir» («houve momentos de grande emoção»); o verbo fazer quando indica tempo decorrido («faz hoje sete anos que ela partiu»); chover, anoitecer, etc.