Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

«Um signo é algo que representa algo sob algum prisma.»

Gostaria de saber o sentido desta afirmação elaborada por Charles Sander Peirce?

Resposta:

A frase aparece como «Um signo é algo que representa algo para alguém sob algum prisma» no artigo relativo a C. S. Peirce no Dicionário de Termos Literários, de Massaud Moisés. Trata-se de uma definição que decorre da (complexa) teoria do signo concebida pelo referido pensador. Transcrevemos uma curta passagem do verbete do termo signo, da autoria de Latuf Isaias Mucci, no E-Dicionário de Termos Literários, disponível em http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/S.htm:

«De acordo com Peirce, signo é algo que substitui algo, para alguém, em certa medida e para certos efeitos;  define-se como “qualquer coisa que conduz alguma outra coisa (seu interpretante) a referir-se a um objeto ao qual ela mesma se refere (seu objeto), de modo idêntico, transformando-se o interpretante, por sua vez, em signo, e assim sucessivamente, ad infinitum”. É de se notar que o termo “interpretante” refere, na nomenclatura semiótica peirceana, o signo equivalente que se cria na mente da pessoa a quem o signo se dirige. A cadeia infinita de signos revela, então, o traço que permite caracterizar o ser humano como um incansável produtor de signos, presentes em todas as civilizações e culturas, até porque, ocorrendo no seio de um grupo social, o signo é um fato culturalizado. Não terá fim a capacidade semiótica do homo significans. Por conseguinte, o significado de um signo é um outro signo.»

Pergunta:

Confesso que, depois de fazer umas consultas neste portal, fiquei sem palavras para o elogiar. Elas já foram todas ditas. Por isso, passo ao assunto.

Quando eu era criança e os meus pais me iam incutindo os princípios básicos dos valores sociais, era costume corrigirem, quando eu fazia um pedido: «Se faz favor também se cá gasta.»

Decorridos todos estes anos — que são bastantes — e sem saber porquê, esta frase voltou-me à lembrança e, com ela, a pergunta: a construção estará correcta? Admito que a frase, assim dita, tenha um "aspecto" cacofónico e algo escatológico. Julgo que o correcto seria «... se gasta cá» ou «... cá se gasta». Mas será que a frase foi propositadamente alterada para que o tal "aspecto" escatológico servisse como reforço da memória (nós temos mais tendência para memorizar o obsceno)?

Resposta:

A versão que conheço é «se faz favor também cá se gasta». É verdade, porém, que a versão referida pelo consulente é possível, porque reproduz um tipo de colocação do pronome átono (neste caso, se) em estruturas de negação que se encontra em muitos escritores tanto do século XIX como do século XX. O que acontece é que até hoje, pelo menos na língua escrita, é possível intercalar o advérbio de negação entre o pronome clítico e o verbo, desde que estes três elementos ocorram numa oração subordinada ou depois de qualquer outra palavra que determine a próclise do pronome. Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, pág. 314) referem-se assim a este uso:

«Costumam os escritores do idioma, principalmente os portugueses, inserir uma ou mais palavras entre o pronome átono em próclise e o verbo, sendo mais comum a intercalação da negativa não:

"Era impossível que lhe não deixasse uma lembrança" (Machado de Assis, Obra Completa, I, 563).
"Conformado pelas suas palavras, o tio calara-se, só para não dar assentimento. (Alves Redol, Fanga, 310).
"Há tanto tempo que o não via!" (Luandino Vieira, A Cidade e a Infância, 64).»

Concluo, portanto, que o advérbio , à semelhança da negação, também se possa inserir entre o pronome e o verbo. Em todo o caso, trata-se de uma construção arcaica ou literária.

Pergunta:

Verifiquei o uso da palavra "cervada" num texto, com o seguinte sentido: «Escusado será dizer que nunca comiam fruta capaz, ou comiam a verde ou a já cervada do sol.»

Sendo-me a palavra desconhecida, procurei em dicionário o seu preciso significado, todavia não fui bem-sucedido.

Peço-vos a vossa ajuda para a etimologia e significado da palavra “cervada”.

Resposta:

A forma "cervada" só pode estar errada. O verbo em questão não é "cervar", mas sorvar, que significa «fazer ficar ou ficarem amarelecidos certos frutos no seu interior, devido a um processo de fermentação» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa). Sorvar também quer dizer «ficar combalido, alquebrado» (cf. Dicionário Houaiss). Finalmente, trata-se de um verbo derivado do substantivo sorva, «fruto da sorveira»2, que remonta ao latim sorba,ae, plural de sorbum,i, «sorva, fruto da sorveira».

2 A sorveira é uma «árvore da família das rosáceas (Sorbus domestica Lin.), originária da Europa mediterrânea, pouco frequente em Portugal, cujo fruto é a sorva» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).

Pergunta:

Qual é a origem do sobrenome/apelido Parente?

Resposta:

O apelido/sobrenome Parente tem origem no substantivo masculino parente. Segundo José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa), também existiu um patronímico, atestado desde o século X, e que também se tornou apelido/sobrenome Parentes.

Pergunta:

Qual é a origem do sobrenome/apelido Fernandes?

Resposta:

É um apelido/sobrenome que tem origem no patronímico Fernandez ou Fernandiz, derivado de Fernando.