Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Se recém é considerada uma apócope do adjectivo recente, por que razão não se pode considerar o mesmo em relação a inter, infra e foto?

Por que razão consideram a primeira um radical e as três outra prefixos?

Recém- formado é uma palavra composta por justaposição. Uma vez que inter, infra e foto são prefixos, então infra-estrutura, fotosíntese e inter-resistente são palavras derivadas por prefixação?

Resposta:

Infra- e inter- não são formas apocopadas, são prefixos de origem latina, enquanto foto- é um radical de origem grega (como em fotossíntese), que também é usado como pseudoprefixo (por exemplo, fotomontagem; ver Celso Cunha e Lindely Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1995, pág. 115).

Na terminologia tradicional, dir-se-á que recém-nascido é palavra composta por justaposição (conforme se afirma na resposta em causa); infra-estrutura e inter-resistente são palavras derivadas por prefixação; e fotossíntese, um composto erudito (ver Cunha e Cintra, op. cit., págs. 109 ss.). Fotomontagem é um caso de recomposição, em que foto- é um pseudoprefixo ou um prefixóide (Cunha e Cintra, op. cit, págs. 113-115). De acordo com o Dicionário Terminológico (DT), para os ensinos básico e secundário de Portugal, infra-estrutura, inter-resistente e fotomontagem são compostos mofossintácticos (no DT, não se fala de pseudoprefixos); recém-nascido e fotossíntese são compostos morfológicos.

Pergunta:

Frase 1 – «Os meus patrões casaram a filha.»

Frase 2 – «O garoto mentiu aos pais.»

Porque é que na primeira frase o verbo é transitivo directo e na segunda é transitivo indirecto?

Resposta:

Frase 1 – O verbo casar é transitivo, porque selecciona um complemento directo: em «casaram a filha», «a filha» é o complemento directo.

Frase 2 – O verbo mentir é transitivo indirecto, seleccionando um complemento indirecto (ver Dicionário Terminológico), isto é, um complemento introduzido pela preposição a que pode ser substituído pelos pronomes lhe e lhes. No caso em apreço, «aos pais» é esse complemento indirecto, que pode ser substituído pelo pronome lhes: «O garoto mentiu-lhes.»

Pergunta:

Na frase «Os rapazes mais jovens não sabiam», qual é o grau do adjectivo jovens?

Resposta:

«Mais jovens» é o grau comparativo de jovens, plural de jovem. A estrutura comparativa não está explícita na frase, mas pode ser desenvolvida:

«Os rapazes mais jovens [do que os outros] não sabiam.»

Pergunta:

«With more severe clinical signs, including severe dehydration.»

Gostaria de saber se é errado traduzir a palavra inglesa severe para severo, como termo médico. Disseram-me que a tradução correcta é grave, e não severo.

Obrigada.

Resposta:

O Oxford Portuguese Pocket Dictionary traduz severe, referido a doença, como grave. Também no Dicionário Verbo Oxford Inglês-Português, severe, junto de palavras equivalentes a problem, «problema», damage, «dano», shortage, «carência, falta», injury, «ferimento», depression, «depressão», shock, «choque», é traduzido por grave.

Parece-me que a consulente tem de estar atenta à própria expressão em português. A tradução correcta não depende apenas da correspondência palavra a palavra; também decorre da sensibilidade de encontrar as compatibilidades lexicais mais correntes na língua de chegada, aqui, o português. Assim, o que se lê em inglês, sem o adjectivo em questão, verte-se em português como «com mais sinais clínicos, incluindo desidratação». Em seguida, escolhe-se o adjectivo mais adequado, que, neste caso, se me afigura ser grave: «com mais sinais clínicos graves, incluindo desidratação grave». Com desidratação, não é impossível usar severa: «desidratação severa».

Pergunta:

Gostaria de saber por qual razão no dicionário Aurélio o encontro consonantal ps não se encontra separado na translineação do vocábulo parapsicologia.

Resposta:

Na edição do Aurélio XXI a que tive acesso, o que encontro é não a partição silábica para translineação mas, sim, a análise morfológica de parapsicologia, que é constituída pelo prefixo de origem grega para- e por psicologia, palavra da mesma proveniência. Noutras circunstâncias, siga-se o que recomenda o n.º 2 da Base XX do Acordo Ortográfico de 1990, à semelhança do que o Acordo de 1945 e o Formulário Ortográfico de 1943 determinavam: «são divisíveis no interior da palavra as sucessões de duas consoantes que não constituem propriamente grupos», como ocorre em íp-silon. Sendo assim: pa-rap-si-co-lo-gi-a (ver também MorDebe).