Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

À luz da análise crítica do discurso, como se distingue texto de discurso?

Resposta:

Tendo em conta que o Dicionário Terminológico dedica uma secção (C.1) à análise do discurso e a disciplinas correlatas, transcrevo as definições disponíveis na subsecção C 1.1:

«O discurso distingue-se, tal como o texto, por ser uma identidade de âmbito e funcionamento transfrásicos. O discurso e o texto são o produto da concatenação coesiva e coerente de frases e de enunciados.

«Apesar de algumas flutuações e até divergências de entendimento, há muitos pontos de acordo e de coincidência que nos permitem, com François Rastier, formular definições relativamente estabilizadas: discurso é “o conjunto de usos linguísticos codificados ligado a um tipo de prática social”; texto é uma “sequência linguística autónoma (oral ou escrita), constituindo uma unidade empírica, e produzida por um ou diversos enunciadores em prática social atestada. Os textos são o objecto da linguística”.

«É importante sublinhar que tanto o discurso como o texto podem ser orais ou escritos.»

Sobre o conceito de texto, também convém consultar o verbete texto da subsecção C 1.2:

«O texto é prototipicamente uma sequência autónoma de enunciados, orais ou escritos, de extensão variável – um texto pode ser constituído por um único e curto enunciado ou por um número elevadíssimo de enunciados —, com um princípio e um fim bem delimitados, produzido por um ou por vários autores, no âmbito de uma de uma determinada memória textual e de um determinado sistema semiótico, isto é, em conformidade, em tensão criadora ou em ruptura com as regras e as convenções desse sistema, e cuja concretização ou actualização de sentido é realizada por um leitor/intérprete ou por um ouvinte/in...

Pergunta:

Poderiam explicar-me o que se entende por neologia de sentido, incluindo neologismos semânticos, neologia de forma e neonímia?

Obrigada.

Resposta:

Transcrevo, de Margarita Correia e Lúcia San Payo de Lemos, Inovação Lexical em Português (Lisboa, Edições Colibri, 2005), definições de termos que me parecem equivalentes aos mencionados na pergunta:

«novidade semântica [= «neologia de sentido, incluindo neologismos semânticos»]: tipo de novidade evidenciada por um neologismo, que corresponde a uma nova associação significado-significante, isto é, uma palavra já existente adquire uma nova acepção. Ex.: navegar (Internet)» (idem, pág. 87).

«novidade formal [= neologia de forma]: tipo de novidade evidenciada por um neologismo que consiste no facto de a sua forma ser nova»  (idem, pág. 87).

«neónimos [= neonímia]: [...] termos científico-ténicos neológicos, isto é, neologismos que ocorrem no âmbito de linguagens da especialidade.»

 

Cf. Como as palavras surgem no português

Pergunta:

Pretendia saber qual a origem da palavra Cajadães, que é uma localidade do concelho de Oliveira de Frades.

Resposta:

Não encontro registo deste topónimo no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado. No entanto, nesta obra, atesta-se Cajade, no qual a sequência cajad- pode ser indicativa de um radical comum a Cajadães. Sobre Cajade, Machado (idem) diz ter origem obscura, rejeitando a hipótese exposta em artigo da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, segundo a qual Cajade seria resultado da evolução do latim «(villa) *Catenati» mediante as formas *Cadĕadi e *Cadiade.

Identificando-se como autor da referida hipótese, A. de Almeida Fernandes (Toponímia Portuguesa: Exame a um Dicionário, Arouca, Associação para a Defesa da Cultura Arouquense, 1999) reconheceu a etimologia proposta como não válida:

«[...] considero muito improvável que um fonema consoante se alterasse duas vezes, ou seja, transformando-se primeiro e contribuindo depois para um novo fonema, como no nosso caso (t>d e -dia- > -ja-).»

Mas, ao contrário de Machado (op. cit.), relacionou Cajadães com Cajade, forma a que atribuiu nova etimologia:

«[...] Cajadães < Cajadaes (-ais), com nasalação -aes < -ães que muitas vezes ocorre (Corujães, etc.). Vejo hoje em Cajade um locativo lat. caseati, do alecrim. Cajada, neste caso, *caseata (e Cajadães um derivado para não recuar a um lat. caseatales) [...].»

Observe-se, porém, que o étimo desta segunda proposta de Fernandes não é claro, porque, de acordo com o Dictionnaire Gaffiot Latin-Français

Pergunta:

Quais são os gentílicos dos estados americanos da Virgínia e da Pensilvânia?

Muito obrigado.

Resposta:

Não acho em dicionários gerais o gentílico correspondente a Virgínia, mas sabendo que o de Virgínia (Minas Gerais) é virginense (Dicionário Houaiss, 2001), porque não aceitar esta forma? Outra possibilidade é virginiano, muito embora esta palavra se use para designar os que nasceram sob o signo de Virgem. De qualquer modo, como tenho dito ou deixado implícito em várias respostas, sem forma dicionarizada ou de uso corrente, não posso adiantar que forma deve ter o gentílico.

Quanto ao gentílico de Pensilvânia, o Dicionário Houaiss consigna a forma pensilvaniano.

Pergunta:

Na vossa entrada 11 035 consideram e ai parónimas e não dão a indicação de que podem ser homógrafas imperfeitas. Mas na entrada 27 405 consideram-nas homógrafas imperfeitas.

Será mais pacífico ou correcto considerar o acento gráfico como uma diferença de escrita e então palavras como ai e , duvida e dúvida, pára e para serão parónimas? Ou será mais correcto considerá-las homógrafas (imperfeitas)?

Resposta:

Sobre palavras que se escrevem com as mesmas letras mas que diferem quanto à acentuação gráfica, diga-se que a terminologia gramatical não estabilizou, pelo que esses vocábulos são enquadráveis tanto entre as palavras parónimas como entre as homógrafas imperfeitas.1 O Dicionário Terminológico não aborda estes casos nos exemplos que apresenta na secção E.5.


1 Uma solução é a adoptada pelo Dicionário Houaiss, que, apontando a existência de duas possibilidades terminológicas, define claramente a sua opção:
«[N]este dicionário, incluímos entre os parônimos (rubrica par) os vocábulos que se escrevem com as mesmas letras, mas que diferem quanto à acentuação gráfica e ao timbre (papéis [pl. papel] e papeis [v. papar]), para os quais tb. se usa a denominação de homógrafos imperfeitos.»