Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Em que casos seguir não é o mesmo que continuar?

Resposta:

Os dois verbos são sinónimos quando significam «prolongar (caminhada, tarefa)»: «ele seguiu/continuou o seu caminho». Deixam de o ser, quando seguir é usado na acepção de «ir», «ir atrás de» e «obedecer».

Consultando um dicionário geral, por exemplo, o Dicionário UNESP da Língua Portuguesa (ed. Francisco S. Borba), encontram-se as seguintes definições dos verbos continuar e seguir (excluí as expressões idiomáticas):

A. continuar

verbo transitivo

1. não interromper; prosseguir: Temos de continuar esse trabalho.

2. retomar: Amanhã continuaremos essa conversa.

3. prolongar; estender: O sitiante mandou continuar a cerca até perto do rio.

4. (com predicativo) permanecer; manter-se: As obras continuam paradas.

verbo intransitivo

5. prolongar-se; durar: Segundo a meteorologia, as chuvas vão continuar.

verbo auxiliar (+ gerúndio ou + a + infinitivo)

6. indica continuidade daquilo que o verbo expressa: A criança continuava chorando. A temperatura continua a subir.

B. seguir

verbo transitivo

1 continuar, prosseguir: Nós o chamámos, mas ele seguiu o seu caminho.

2 percorrer: Seguimos a trilha por horas.<...

Pergunta:

Queria saber os elementos morfológicos da palavra estavam, e também qual é seu radical, vogal temática, desinência modo-temporal e desinência número-pessoal.

Resposta:

A forma estavam é a terceira pessoa do plural do imperfeito do indicativo do verbo estar e analisa-se morfologicamente do seguinte modo:

est-: radical;

-a-: vogal temática;

-va-: desinência modo-temporal ou sufixo de tempo-modo-aspecto (ou característica na terminologia tradicional);

-m: desinência ou sufixo de número-pessoa (terceira pessoa do plural).1

1Sobre a análise morfológica da flexão verbal, ver M.ª Helena Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 2003, págs. 931-938).

Pergunta:

«As crianças com menos de 12 anos de idade e menos de 150 cm de altura devem ser seguras por sistema de retenção homologado» é parte de uma norma do Código da Estrada (55.º n.º 1). Quer isto dizer que uma criança com 12 anos ou mais e menos de 150 cm — ou a inversa: menos de 12 anos e mais de 150 cm — também deve usar sistema de retenção, ou já não precisa de o usar? Do ponto de vista estritamente linguístico, qual é o significado da partícula conjuntiva e nesta frase?

Obrigado.

Resposta:

A conjunção e tem valor aditivo, pelo que a expressão se refere a crianças que reúnam as duas características seguintes:

A. Ter menos de 12 anos.

B. Ter menos de 150 cm de altura.

Espera-se, portanto, que as crianças visadas tenham características que satisfaçam as duas condições. Quer isto dizer não precisam de usar sistema de retenção:

a) crianças com idade igual ou superior a 12 anos e menos de 150 cm;

b) crianças com menos de 12 anos e mais de 150 cm.

Como a idade é muitas vezes critério de aplicação de uma norma de segurança, pode afigurar-se estranho que um maior de 12 anos de pequena estatura tenha obrigatoriamente de usar um sistema de retenção. Se for esse o problema do texto normativo, parece-me que se poderia dar outra redacção, dizendo que «só as crianças com menos de 12 anos de idade que tenham menos de 150 cm de altura devem ser seguras por sistema de retenção homologado».

Pergunta:

A UAI decidiu em 2006 retirar a Plutão o estatuto de planeta e criou uma nova classe chamada dwarf planets em inglês e cujo termo serve para descrever um corpo que não é considerado um planeta mas que partilha algumas características. Houve até uma altura em que as próprias luas eram referidas como «planetas menores». A palavra em português para descrever esta classe de corpos mais usada é «planeta anão». Deverá, ou não, levar hífen? E qual será a melhor forma plural?

Resposta:

O hífen não é obrigatório porque a expressão é constituída pelo substantivo planeta e pelo adjectivo que o qualifica, anão. O hífen só aparecerá se a expressão passar a constituir um todo semanticamente autónomo, indecomponível nas significações dos seus constituintes, como acontece no caso do contraste entre segunda-feira («amanhã é segunda-feira») e «segunda feira» («esta é a segunda feira que se realiza aqui este ano»).

O plural de «planeta anão» segue a regra geral da concordância (o adjectivo concorda com o substantivo que qualifica): «planetas anões».

Pergunta:

À luz do novo dicionário terminológico, qual a subclasse a que pertence o advérbio eis?

Resposta:

Não encontro termo do Dicionário Terminológico (DT) que se adapte à características de eis. Penso que isso se deve à dificuldade de enquadrar eis numa das classes de palavras conhecidas.

Mesmo num quadro tradicional, a classificação de eis como advérbio não é consensual. Na Nomenclatura Gramatical Portuguesa de 1967, regista-se o termo advérbio de designação, que gramáticas que a adoptaram (p. ex., J. M. Nunes de Figueiredo e A. Gomes Ferreira, Compêndio de Gramática Portuguesa, Porto Editora, pág. 301) aplicaram à palavra eis. Contudo, a Nomenclatura Gramatical Brasileira de 1959 (NGB) propõe sem concretizar uma classificação à parte para certas palavras de estatuto adverbial duvidoso. Em consonância com a NGB, Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 549) classificam eis como palavra denotativa de designação, com a seguinte advertência:

 «[...] tais palavras não devem ser incluídas entre os advérbios. Não modificam o verbo, nem o adjectivo, nem outro advérbio. São por vezes de classificação extremamente difícil. Por isso, na análise, convém dizer apenas: "palavra ou locução denotadora de exclusão, de realce, de rectificação", etc.»1

Com advertência, é legítimo entender que Cunha e Cintra con...