Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Deparei-me com várias palavras como "para-teatral" e "para-litúrgica".

No entanto, não consegui encontrar a sua definição, compreendi que o facto de acrescentar o "para" altera a palavra seguinte, mas não sei a que nível.

O que significa o "para" antes das palavras?

Resposta:

O elemento para- é um prefixo de origem grega — a preposição pará, «junto; ao lado de; por (com agente da passiva); em, em casa de; durante; para; ao longo de; excepto, salvo; para além de» (Dicionário Houaiss) — , que, em português, modifica semanticamente a palavra a que se associa com os seguintes valores (cf. idem): 1) «proximidade»: parágrafo, parêntese; 2) «oposição»: paradoxo; 3) «para além de»: parapsicologia; 4) «defeito»: paraplegia; 5) «semelhança»: parastilo («órgão floral de aspecto semelhante ao de um pistilo»).

Quanto aos casos em referência, trata-se de adjectivos que se escrevem paralitúrgico (feminino paralitúrgica) e parateatral, sem hífen. Sem contexto, é difícil perceber o que significam estas palavras ao certo, mais a mais que vários significados são atribuíveis ao prefixo para-. Mas, tendo em conta que o prefixo evoca proximidade ou complementaridade em casos como o de paramédico, proponho que paralitúrgico e parateatral se interpretem, respectivamente, como «próximo ou complementar do que é litúrgico» e «próximo ou complementar do que é teatral».

Pergunta:

No contexto sociológico, o conceito de "désaffiliation sociale" de Robert Castel deverá ser traduzido por "desfiliação", ou "desafiliação"? Em tradução inglesa encontrei a expressão "The Roads to Disaffiliation" e em traduções portuguesas e brasileiras predomina a tradução "desfiliação", embora também "desafiliação" seja, por vezes, utilizada por alguns tradutores e autores portugueses. Acredito que ambas as traduções sejam correctas, mas agradeço desde já a vossa preciosa ajuda no esclarecimento de como este conceito deverá/poderá ser escrito na nossa língua.

Resposta:

Filiação é genericamente «ação ou efeito de filiar», e afiliação, «ação ou efeito de afiliar», segundo o Dicionário Houaiss. Trata-se de substantivos deverbais, derivados de filiar e afiliar, respectivamente. Tendo em conta que estes verbos são sinónimos (cf. idem), não se encontra, à partida, diferença semântica relevante entre filiação e afiliação — a não ser a que advém de os substantivos deverbais não terem exactamente o mesmo significado dos verbos donde derivam, precisamente porque a semântica de um substantivo não é a mesma que a de um verbo. O que aqui se diz aplica-se a vocábulos que resultam da modificação prefixal de filiação e afiliação, ou seja, desfiliação e desafiliação. Em suma, estão correctas ambas as traduções apresentadas pelo consulente.

Pergunta:

Na ilha do Faial existe a freguesia da Feteira. Toda a gente escreve Feteira, mas toda a gente diz «Féteira». Está correcta esta pronúncia? Ou a grafia deveria respeitar a maneira como se diz?

Resposta:

No dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, o substantivo comum feiteira aparece transcrito como [fɛˈtɐjɾɐ], isto é, com e aberto na primeira sílaba, que é átona. Também o seu sinónimo fetal, terreno onde crescem abundantemente plantas designadas por fetos» (idem), apresenta e aberto na sílaba átona representada por fe-. Tendo em conta que estas palavras aparecem descritas como derivados de feto, «design. comum a todas as pteridófitas da classe das filicópsidas» (Dicionário Houaiss), seria de esperar que, em português europeu, a vogal da sílaba fe- recuasse e se elevasse (isto é, fechasse, como se diz popularmente), soando a vogal como e mudo (o e de de). Mas é possível que nestes casos tenham intervindo outras razões1, conservando os derivados o e aberto da palavra base.

1 Por exemplo, razões históricas. O e átono pode dever a sua abertura ao facto de remontar à crase das vogais de duas sílabas átonas: feeteira > feteira. É o que ocorre de modo semelhante em caveira, que apresenta a aberto átono em resultado da crase de dois aa átonos em hiato: caaveira > caveira. No entanto, esta etimologia não é confirmada nem pelo dicionário da Academia das Ciências de Lisboa nem pelo Dicionário Houaiss. No caso de fetal, pode também ter intervindo uma necessidade distintiva, permitindo o contraste com

Pergunta:

É habitual ouvirmos dos profissionais da saúde (e não só) a designação "virosal" para identificar a origem/tipo de determinada doença.

Está correcta esta designação? Será "virosal" sinónimo de "viral"?

Muito obrigada.

Resposta:

Como não encontro registo escrito de "virosal", suponho que se trata de uma inovação, que do ponto de vista normativo é incorrecta, porque, além de não se entender a sua grafia — se a base de derivação é vírus, seria de esperar "virusal" —, já existe a palavra viral, «relativo a vírus ou causado por ele» (Dicionário Houaiss). Também se encontram dicionarizados virótico (idem) e vírico (Grande Dicionário da Língua Português de José Pedro Machado), com o mesmo significado que viral.

Pergunta:

Aos prezados consultores do Ciberdúvidas minhas cordiais saudações. Sempre lhes serei grato pela grande parcela de contribuição no processo de aprendizagem de nossa língua materna. Grande é vosso renome em nosso meio – no colégio, onde estudo –, sempre que posso faço menção de vossos textos nas discussões na aula de Língua Portuguesa, são muito bem apetecidos. Somos-lhes muito gratos.

Desta vez a questão que me veio é sobre os verbos colorir e colorar — segundo a maioria dos professores e gramáticas que consultei são defectivos. Porém, encontrei uma nota num dicionário (Bueno, Francisco da Silveira, 1898 – Dicionário escolar da língua portuguesa/Francisco da Silveira Bueno; colaboração de Dinorah da Silveira Campos; Giglio Pecoraro, Geraldo Bressane — 11. Ed. — Rio de Janeiro, FENAME 1983) que transcrevo: «Este verbo bem como colorir eram considerados defectivos. Hoje são conjugados normalmente em todas as pessoas e modos: coloro, coloras, colora, coloramos, colorais, coloram. Colore, colores, colore, coloremos, coloreis, colorem. De colorir: coloro, colores, colore, colorimos, coloris, colorem. Pres. do subj.: colora, coloras, colora, coloramos, colorais, coloram.» Fiquei confuso... Ainda há consignada a forma coluro no sítio do Priberam. Ela é correta? São ambos, afinal de contas, defectivos ou não? Qual vosso parecer?

...

Resposta:

Em nome do Ciberdúvidas, agradeço as suas palavras iniciais.

A conjugação do verbo colorir, a par de abolir, demolir ou polir, é tema controverso para gramáticos normativos e dicionaristas. Há quem defenda que o verbo colorir deve ser descrito como defectivo, comportando-se como abolir ou polir:

«[...] só se conjugam nas formas em cuja desinência existe i» (Napoleão Mendes de Almeida, Dicionário de Questões Vernáculas, São Paulo, Edições Ática, 4.ª edição).

Esta posição é referida por Maria Helena Moura Neves, no Guia de Uso do Português (São Paulo, Editora UNESP, 2003, na descrição que esta investigadora faz do uso de colorir (mantenho a ortografia do original):

«Verbo defectivo, conjuga-se apenas nas formas em que ao R se segue E ou I. Não existe, pois, a primeira pessoa do presente do indicativo, e, conseqüentemente, o presente do subjuntivo. Seus assistentes COLORIAM folhas de cartolina. [...] Palette, a maravilhosa espuma que — sem tingir — lava e COLORE seu cabelo, na discrição de sua casa!»

Alguns manuais só registam a existência de formas com desinência iniciada por i.

É esta também a conjugação que o Dicionário Houaiss atribui ao verbo colorir. O mesmo faz Evanildo Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa (Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2002, pág. 226):

«A defectividade verbal é devida a várias razões, entre as quais a eufonia e a significação. Entretanto, a...