Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Consciente das diferenças quanto à normatização do uso dos porquês nas variantes europeia e americana da língua, eu, como brasileiro e utilizador da segunda, gostaria (ou gostava) de saber se são corretas, de acordo com a variante americana, as formas a seguir. Penso que o são: «E o prenome, escolhido sabe-se lá o porquê, bem poderia induzir em erro» e «o prenome, escolhido sabe-se lá por quê, bem poderia induzir em erro».

Resposta:

As frases apresentadas estão corretas, considerando a norma brasileira:

a) na primeira frase, porquê é usado como substantivo, sendo sinónimo de motivo (cf. Dicionário Houaiss), pelo que deve escrever-se como uma única palavra gráfica;

b) no segundo caso, escreve-se por quê, sendo sinónimo de «por que motivo» e pressupondo uma oração interrogativa indireta selecionada pelo verbo saber: «isso acontece sabe-se lá por quê» = «sabe-se lá por que razão isso acontece».

Sobre por quê, leia-se o que Maria Helena de Moura Neves diz no Guia de Uso do Português (São Paulo, Editora Unesp, pág. 608):

[...] A construção por que é usada para formular pergunta:

direta — POR QUE é que está chorando aqui na rua [...]

indireta — Já sou adolescente agora, mas fico assustada, quero saber POR QUE chora. [...]

O elemento que dessa expressão é acentuado apenas quando ela encerra a interrogação ou vem antes de pausa muito acentuada. • Preso POR QUÊ? [...] • Continuava guardando segredo. POR QUÊ? [...] • E digo

Pergunta:

Que poderá significar a palavra (adjectivo?) lampante, como em «azeite lampante»?

Comentário: não encontrando a palavra nos dicionários, encontrei-a em textos online relacionados com a produção e tipos de azeite.

Resposta:

Encontro o adjetivo lampante num artigo da Wikipédia (sublinhado meu):

«[O] [a]zeite de oliva comum é obtido da mistura do azeite lampante, inadequado ao consumo, reciclado por meio de processos físico-químicos e sua mistura com azeite virgem e extravirgem.»

Devo, contudo, observar que não vejo este adjetivo figurar nos dicionários que consultei, sejam eles portugueses ou brasileiros (Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, Dicionário de Expressões Populares, de Guilherme Augusto Simões, Dicionário Houaiss, Dicionário Aulete). Onde dou com a palavra registada é em espanhol, como atesta a entrada lampante no dicionário da Real Academia Española (RAE), correspondente à definição «[s]e dice del queroseno purificado que se emplea para el alumbrado» («diz-se do querosene purificado que se emprega na iluminação»).

A palavra ocorre atualmente também em português, em páginas da Internet respeitantes à indústria do azeite, conforme se verifica no seguinte exemplo:

«O Copa-Cogeca recebeu com satisfação a decisão do comité de Gestão da União Europeia para...

Pergunta:

Pelo o que se lê no Aulete Digital, depreende-se que croça (ou crossa, em outra grafia) é palavra que designa o báculo (bastão episcopal) como um todo, isto é, desde a extremidade superior recurvada até a inferior reta. Além disto, em outra acepção e por metonímia, é o nome apenas da parte recurva superior, a qual forma uma espécie de gancho ou espiral.

Pois bem, quando vejo em livros e enciclopédias a referida palavra, parece ser nesse último sentido, pois não raro aparecem junto ilustrações, geralmente fotográficas, mostrando essa parte superior do báculo rica e artisticamente trabalhada, com imagens de santos e símbolos cristãos entalhados no meio da madeira que a forma, ou até mesmo toda ela feita de ouro ou prata, neste caso também com adornos ricos, incluindo pedras preciosas. Daí surgiu-me a dúvida se croça (ou crossa), nesse último significado mencionado no parágrafo anterior, denomina a parte superior do bastão episcopal, somente quando é ricamente confeccionada, ou também quando é simples, tendo somente a voluta, sem enfeite nenhum, como sói acontecer com a maioria dos báculos episcopais, ao menos com os que tenho visto aqui no Brasil.

Quanto a grafia da referida palavra, a tendência dos hodiernos dicionários brasileiros da língua portuguesa parece ser a preferência pela forma crossa, por amor à etimologia imediata, o francês crosse, o qual vem do frâncico, ou germânico, krukkya.

Parece ser coisa certa que crosse é a origem mais próxima da nossa 1. Depreende-se que o termo croça se aplica a toda a parte superior de um báculo ou bastão, seja ela trabalhada ou não, até porque tal uso do termo é feito por metonímia de croça, enquanto designação de um báculo inteiro com a extremidade superior recurvada.

2. É difícil dar uma resposta categórica, porque os dicionários divergem quanto à história da palavra. Se o vocábulo croça, na aceção de «bastão com parte superior recurvada» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa), foi transmitido ao português pelo castelhano, tem todo o sentido escrever a palavra com ç, porque é este é o grafema que, em meio de palavra, historicamente corresponde à consoante (uma fricativa interdental) que no espanhol moderno é representada por z (cf. caça vs. caza). Se assim for, deve-se notar que, a respeito dos critérios etimológicos da grafia das palavras, nem sempre prevalece o de refletir a fonia ou grafia mais recuadas — também se tem em conta a história da transmissão da palavra. Não obstante, o Dicionário Houaiss dá primazia à grafia crossa, indicando que que croça é forma não preferível; além disso, em nota etimológica, defende-se aí que a palavra, de origem germânica (concretamente, do frâncico), chegou ao português por via do francês.

Em conclusão, não me parece clara a história da transmissão da forma que veio a tornar-se croça/crossa em português. Tr...

Pergunta:

Para designar quem tem habilitações, ou está encarregado de executar medições, poder-se-á usar indistintamente metrologista e metrólogo? Alguma destas designações é errada, imprópria, ou deve ser evitada?

Resposta:

Os dois termos estão registados, apesar de os dicionários parecerem preferir a forma metrologista. Com efeito, o Dicionário Houaiss acolhe (sem definir) metrólogo, remetendo este vocábulo para metrologista, em cujo verbete se disponibiliza o significado de «especialista em metrologia». O Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora procede de modo semelhante: nele figuram metrólogo, sem definição, e metrologista, com verbete mais completo, contendo uma definição.

Em conclusão, as duas formas são aceitáveis, mas, a fazer fé nos registos lexicográficos, é preferível usar metrologista.

Pergunta:

Podem os valores percentuais corresponder a quantificadores numerais?

Resposta:

Embora o Dicionário Terminológico não os mencione, os valores percentuais podem ser classificados como quantificadores numerais. Com efeito, as expressões de percentagem são estruturalmente semelhantes a numerais fracionários como «metade (de)», «triplo (de)» e a expressões partitivas – «uma porção de», «um litro» —,  estas identificadas com os numerais fracionários no verbete correspondente à subclasse em apreço e aqueles também aí referidos. Assim, atendendo às seguintes expressões:

1. «metade da população»,

2. «parte da população»,

3. «30% da população»,

a conclusão é a de, em 3, a expressão percentual se comportar sintática e semanticamente como o quantificador numeral fracionário de 1 e a expressão partitiva de 2.