Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Cada vez mais somos invadidos por estrangeirismos informáticos. Estou a orientar uns colegas que estão a escrever a tese de mestrado na área da Animação Digital. Um dos processos chama-se, em inglês, render. Em português do Brasil, utiliza-se renderizar, palavra que não consta no Priberam. Gostaria de saber o que será mais correto para utilizar na tese: Render, em itálico, ou o aportuguesamento da palavra, ficando assim renderizar.

Resposta:

A palavra inglesa render, tal como é usada em informática, surge referida no Dicionário Aulete Digital como base para a construção de renderização, a cuja entrada corresponde o significado de «[p]rocesso de computação gráfica que consiste em interpretar os gráficos de objetos e a iluminação, para então criar uma imagem finalizada, vista pela perspectiva escolhida». As páginas do sítio Linguee confirmam que renderização regista algumas ocorrências, como, por exemplo, «ferramentas de renderização», tradução de «rendering tools», onde «rendering» constitui o uso adjetival do particípio presente do verbo inglês render.

Quanto ao verbo deduzido de renderização, ou seja, o neologismo renderizar, em lugar de render (como sucede com outros estrangeirismos, aconselha-se o itálico quando ocorre em textos portugueses), verifico que, a respeito de dicionários elaborados em Portugal, nem o Priberam nem o Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, acolhem o termo, seja na forma estrangeira, seja como aportuguesamento. De qualquer modo, já que renderizar é vocábulo bem formado, aceito o seu uso, ao mesmo tempo que sugiro que, por enquanto, em textos técnicos ou académicos produzidos em Portugal, se deixe um apontamento ou uma anotação a justificar a sua adoção.

Pergunta:

Gostaria de perguntar ao Ciberdúvidas se existe alguma regulamentação quanto ao emprego de certas palavras estrangeiras que não figuram no nosso vocabulário. A questão tem que ver com o termo shortlist (uma lista de finalistas) em que o cliente parece querer empregar a palavra remetendo-a depois para uma nota de rodapé onde será explicada. É possível fazer isso neste caso seguindo alguma regulamentação em vigor?

Resposta:

Não existe regulamentação, o que há são recomendações dispersas por gramáticas e prontuários contra o uso excessivo de estrangeirismos. Deste modo, é possível fazer o que é pretendido: usar o estrangeirismo e fazer uma chamada para uma nota de rodapé onde se apresenta o termo português correspondente.

No fundo, tudo dependerá da finalidade do texto: apesar de ser necessário evitar palavras estrangeiras, um tradutor ou um editor pode confrontar-se com textos de uma publicação, cuja linha editorial é justamente marcada pela ocorrência de estrangeirismos, com o argumento (discutível para certos estudiosos da língua) de que tal situação é sinal de modernidade; noutros contextos, o tradutor ou o editor pode intervir, suprimindo os estrangeirismos totalmente ou em grande parte, de modo a conferir à linguagem qualidades mais vernáculas.

Pergunta:

Qual é a forma correta? «A equipa foi de parecer», ou «A equipa foi do parecer»?

Resposta:

Encontro registo desta expressão apenas no Dicionário Estrutural, Estilístico e Sintático da Língua Portuguesa, de Énio Ramalho, onde é apresentada com artigo definido a acompanhar parecer — «ser do parecer».

No entanto, pelo menos em corpora do português europeu, o que se encontra atestado é a forma sem artigo definido: «ser de parecer». Deste modo, dada a escassez de atestações que definam um uso tradicional claro, nem se afigurar critério claro para identificar uma forma como semanticamente melhor que a outra, proponho que se aceitem as duas. Em ambos os casos, a expressão é seguida de uma oração subordinada substantiva completiva: «a equipa foi de/do parecer que a classificação atribuída deveria ser mantida».

Pergunta:

Qual a frase correta?:

1) «Era para irmos a Chaves, mas já não vamos.»

2) «Éramos para ir a Chaves, mas já não vamos.»

Ambas são utilizadas coloquialmente.

Resposta:

A construção «ser para» é usada coloquialmente,1 das duas maneiras apresentadas pelo consulente:

a) pessoalmente, no sentido de «alguém ter uma intenção (que não se concretizou)»: «Éramos para ir a Chaves.»

b) impessoalmente, querendo dizer «havia a intenção (que não se concretizou), seguida de oração com infinitivo flexionado: «Era para irmos a Chaves.»

No entanto, não encontro esta construção descrita em dicionários, gramáticas ou prontuários. Na verdade, o que se acha registado é uma outra estrutura, não com o verbo ser, mas com o verbo estar, conforme se atesta no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa:

«[Ser] [s]eguido de um verbo no infinitivo precedido da prep. para, indica intenção, propósito que pode ou não verificar-se. Estou para lhe telefonar há vários dias. Estive para lhe contar tudo, mas arrependi-me

Não parece tratar-se exatamente da mesma construção, porque o verbo estar pode ocorrer flexionado em diferentes tempos, enquanto o verbo ser surge apenas no imperfeito quando se lhe associa o referido valor intencional.

1) «Era para lhe telefonar.»

2) ?«Fui para lhe telefonar.»

3) *«Sou para lhe telefonar.»

Nestes exemplos, 1) é que pode permutar com «estava para lhe telefonar». Nos outros casos, «fui» só é interpretável como forma de ir (cf. «fui para te ver»),...

Pergunta:

Gostaria de saber qual forma correta de falar a seguinte frase:

«Vou vender a Uno [carro].»

«Vou vender o Uno [carro].»

Resposta:

Se se trata de um modelo de carro e se o substantivo carro é do género masculino, é de esperar que Uno seja também do género masculino, uma vez que se trata de uma forma elíptica de dizer «o carro que se chama Uno». Por outras palavras, diz-se «o Uno», porque se pressupõe «o carro que é do modelo Uno».