Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Pretendo saber se existe a palavra criminogénos, pois li em um texto de natureza jurídica inserida na frase «novas mutabilidades imprimidas pelos fenómenos criminógenos».

Resposta:

A palavra criminógeno figura no Dicionário UNESP do Português Contemporâneo (São Paulo, Editora UNESP, 2004), com o significado de «que incita à criminalidade; que causa crime» (exemplo: «o jogo do bicho é considerado um fator criminógeno»). No mesmo dicionário, é-lhe atribuída uma variante, crimógeno, usada na mesma aceção. Este vocábulo está também registado no iDicionário Aulete e ocorre no Dicionário Houaiss [neste dicionário, aparece incluído no verbete da entrada crimin(o)-].

Pergunta:

O verbo diligenciar é seguido de preposição, ou é transitivo direto?

Podemos dizer «diligenciar pelo gozo de férias»?

Resposta:

A frase apresentada está correta.

O verbo diligenciar usa-se frequentemente com um complemento oblíquo introduzido pela preposição por, como o verbo esforçar-se — «diligenciava por não se atrasar» —, podendo também ocorrer com a preposição em (Dicionário Houaiss de Verbos da Língua Portuguesa — conjugação e uso de preposições, Rio de Janeiro, Editora Objetiva, 2003).

Este verbo associa-se ainda a orações finais finitas e não finitas de infinitivo («Diligenciou para que o caso fosse resolvido [...]»; «[...] começou a diligenciar no sentido de minorar as péssimas condições em que aquelas pessoas se encontravam» — Winfried Busse, Dicionário Sintáctico de Verbos Portugueses, Coimbra, Livraria Almdeina, 1994) e sem preposição, seguido de infinitivo («saltando da cama, diligenciou aproximar-se da figurita imóvel do petiz» — idem). 

Pergunta:

A palavra ria designa um tipo de acidente geográfico comum no litoral do norte de Portugal, na Galiza e em outras partes do norte da Península Ibérica. Os dicionários da língua portuguesa a definem de modo díspar, o que me deixa na dúvida sobre qual seria a sua definição correta, exata, razão pela qual peço que o Ciberdúvidas, usando da sua tradicional competência incomum, apresente a significação científica, exata e completa do vocábulo em apreço.

Indago ainda se no plural o termo supramencionado adquiriria outro sentido, como sugere o Dicionário Aurélio.

Muito obrigado.

Resposta:

A palavra ria pode referir-se a um «esteiro ou braço de rio», conforme definição do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, que também a classifica como termo usado no domínio da geografia para designar «[uma] secção da costa, geralmente abrupta e ramificada, onde se deram movimentos radiais que provocaram o parcial preenchimento de vales pelas águas marítimas».

Atendendo a esta descrição, só se aplica ria, num contexto especializado, a um acidente geográfico muito frequente sobretudo na Galiza, e com paralelo noutras zonas da Europa (Bretanha, Sudoeste de Inglaterra) e do globo, mas que, a rigor, não se encontra em Portugal, muito embora neste país certos sistemas litorâneos sejam tradicionalmente chamados rias (ria de Aveiro, no litoral centro-norte, e ria Formosa, no Sul).

Também convém não confundir uma ria com um fiorde: este, como indica o seu nome norueguês, fjord (aportuguesado como fiorde), é «estreito braço de mar, entre altas escarpas adentro da costa» (cf. nota etimológica do Dicionário Houaiss), que resulta da inundação de um vale glaciário pelas águas do mar; uma ria também surge em consequência da inundação de um vale, com a particularidade de este não ter origem glaciária (cf. a mesma distinção no artigo da Wikipédia em espanhol; note-se que se referem aí as rias portuguesas, que não são, como se disse, verdadeiras rias).

 

N. E. (25/06/2020) – Embora se aceite a grafias «ria Formosa», recomenda-se que neste hidrotopónimo a palavra ria também tenha maiúscula inicial, porque é inseparável do segundo elemento: Ria Formosa.

Pergunta:

Luxemburgo culpa parte política por crise no Palmeiras: «Diretores pipocam para torcedor.»

Acusam Neymar de ser pipoqueiro...

Que significam estes termos?

Grato.

Resposta:

No contexto do futebol brasileiro, o Dicionário Houaiss indica que pipocar é o mesmo que «demonstrar medo (o jogador) de disputar jogada, de chutar ao gol etc.; acovardar-se», e pipoqueiro, o «jogador que costuma pipocar». Terá sido, portanto, este o caso de Neymar, segundo certas notícias. Quanto ao título que o consulente apresenta, a leitura da respetiva notícia revela que existe um treinador que acusa os diretores de um clube de andarem amedrontados com os torcedores; passo a citar (em UOL Esporte-Futebol):

«"A parte política do clube é muito complicada, e a torcida tem uma influência muito grande dentro do clube. Chegou a acontecer da polícia querer me tirar de aeroporto porque a torcida queria me bater. Isso eu não posso permitir, tem que tirar o torcedor, e não eu. Vou falar pelo que eu vi, diretores pipocam para torcedor”, afirmou Luxemburgo, em entrevista ao SporTV.»

Noutros contextos, as palavras em referência têm os seguintes significados, todos eles característicos do português do Brasil, também segundo o Dicionário Houaiss, donde foram retirados os seguintes significados e respetivos exemplos:

...

Pergunta:

As grafias "pomo de Adão" e "pomo de adão" são grafias ortográficas variantes de "pomo-de-adão" existentes quanto a acepção «saliência da glândula tireoide localizada no pescoço», o mesmo que "gogó"? São grafias válidas em âmbito culto da língua portuguesa no parâmetro antedito? Ou só são grafias informais ou mesmo erradas?

E tendo em conta a pergunta acima, como fica a grafia pomo-de-adão segundo o que preconiza o AO 1990? Fica a grafia pomo-de-adão legado a notar a "árvore" e "pomo de adão", o "gogó"? Mas a grafia hifenizada não é consagrada pelo uso para ambas acepções? E se caso a grafia "pomo de Adão", grafada sem hífenes e com A maiúsculo, for legítima, ela mantém as acepções referente a "árvore" e a referente ao "gogó" inalteradamente, ou não? Aonde há cisão quanto as acepções nesses casos?

E em Portugal é pomo-de-adão sinônimo de pómulo? Mas será que isso também é assim no Brasil?, pois pômulo não quer dizer «maxila ou seio da face» ou ainda «saliência adjacente às órbitas oculares pouco acima das bochechas»? Não são portanto coisas díspares? Ou seria pómulo hiperônimo de algum ou de ambos os termos, maçã-do-rosto e pomo-de-adão, sendo que os dois termos denotam saliências presentes no corpo humano?

Agradeço qualquer mínimo esclarecimento, pois estou a carecer.

Resposta:

No quadro da aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras e Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da Porto Editora, distinguem graficamente pomo de adão, «saliência laríngea», sem hífen, de pomo-de-adão, «espécie botânica», com hífen.1 A hifenização do termo botânico pomo-de-adão decorre da Base XV, n.º 3:

«3 Emprega-se o hífen nas palavras compostas que designam espécies botânicas e zoológicas, estejam ou não ligadas por preposição ou qualquer outro elemento: abóbora-menina, couve-flor, erva-doce, feijão-verde; bênção-de-deus, erva-do-chá, ervilha-de-cheiro, fava-de-santo-inácio,
bem-me-quer
(nome de planta que também se dá à margarida e ao malmequer); andorinha-grande, cobra-capelo, formiga-branca; andorinha-do-mar, cobra-d´água, lesma-de-conchinha; bem-te-vi (nome de um pássaro).»

A não hifenização de pomo de adão/Adão (ver nota 1) é consequência do n.º 6 da mesma base, a seguir citado parcialmente:

«6 Nas locuções de qualquer tipo, sejam elas substantivas, adjetivas, pronominais, adverbiais, prepositivas ou conjuncionais, não se emprega em geral o hífen, salvo algumas exceções já consagradas pelo uso (como é o caso de água-de-colónia, arco-da-velha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao deus-dará, à queima-roupa). Sirvam, pois, de exemplo de emprego sem hífen as seguintes locuções:

a) Substantivas: cão de gua...