Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

No meu manual surgiu-me um exercício em que solicitam a divisão dos quatro primeiros versos da estância 129 d´ Os Lusíadas, em 5 orações e a verdade é que ninguém, na minha turma, consegue chegar a uma conclusão.

Podem ajudar-nos?

Resposta:

O consulente, que, ao que tudo indica, é aluno do 3.º ciclo ou do ensino secundário em Portugal, não nos diz qual é o canto a que pertence a estrofe que pretende ver parcialmente analisada. Como estrofes ou estâncias que alcancem o número 129 só ocorrem no canto III e X, transcrevo os quatro primeiros versos de cada uma (mantém-se a ortografia da edição de Júlio Costa Pimpão, disponível em  http://cvc.instituto-camoes.pt/bdc/literatura/lusiadas/):

A. Canto III, estância 129

«Põe-me onde se use toda a feridade,
Entre liões e tigres, e verei
Se neles achar posso a piedade
Que entre peitos humanos não achei.»

B. Canto X, estância 129

«Ves, corre a costa que Champá se chama,
Cuja mata é do pau cheiroso ornada;
Vês Cauchichina está, de escura fama,
E de Ainão vê a incógnita enseada;»

Contudo, como a análise da estrofe reproduzida em B me parece extremamente complexa para alunos dos níveis de ensino em apreço,1 estou
em crer que a pergunta se relacione apenas com a estância 129 do canto III, cujos quatro primeiros versos são analisáveis do seguinte modo (aplico termos do Dicionário Terminológico, recentemente adotado no ensino básico e secundário de Portugal):

A.

— Orações coordenadas copulativas:

a) «Põe-me onde se use toda a feridade,/ entre liões e tigres»;

Pergunta:

Gostaria de saber qual a grafia correta da capital da Arménia. Numa pesquisa rápida encontrei Ierevan, Ierevã, Erevan, Erevã, Erevão e Yerevan.

Resposta:

Entre as fontes a que se reconhece autoridade na aplicação dos princípios e regras da ortografia, saliento o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), disponível na Infopédia, onde a forma atribuída à capital em apreço é Erevan. Por seu lado, o Código de Redação Interinstitucional, apresentado como «instrumento de referência no domínio da escrita [do português] para todas as instituições e todos os órgãos e organismos da União Europeia», apresenta a grafia Erevã. Em fontes enciclopédicas não tão recentes, usa-se a forma Erivan (cf. s.v. Arménia, Enciclopédia Verbo de Cultura e Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira). Refira-se que infelizmente o Vocabulário da Língua Portuguesa (1966) de Rebelo Gonçalves, que poderia ser uma boa fonte para a identificação de uma forma mais solidamente fundamentada em critérios filológicos, não regista o nome da capital da Arménia.

Assinale-se que, em arménio, o nome desta cidade é representado pela forma Երևան, que corresponde à transcrição fonética [jɛɾɛˈvɑn] (cf. artigo Երևան do Wiktionary), na qual [jɛ] representa a articulação da unidade fonológica /ɛ/ em princípio de palavra, conforme uma regra fonética do arménio, muito embora [jɛ] e [ɛ] se escrevam da mesma maneira, com ե (maiúscula Ե; cf. artigo sobre ե no Wiktionary).1 Esta pronunciação permite explicar que em inglês se tenha imposto a forma Yerevan, que decorre dessa tra...

Pergunta:

A propósito do significado de aceivar, palavra de que andava à procura, cheguei à resposta dada por Carlos Rocha a 19/04/2005. Não sei até que ponto a resposta está completamente certa, apesar de se inserir no léxico agrário, de facto.

Veja-se o excerto do conto «O Pastor Gabriel» de Miguel Torga: «Como os pastos no Verão escasseavam, só havia uma solução: aceivar os nabais à noite, pela calada». Não poderá aceivar ter outro significado ou, pelo menos, outra acepção?

Resposta:

Mantenho o que afirmei há alguns anos: continua a tratar-se do verbo aceibar ou aceivar, mas usado intransitivamente, mantendo o significado de "largar o gado".

No entanto, o verbo aceibar podia ou pode ainda ter outra aceção, a de "entornar" (Revista Lusitana, XV, 345). Contudo, o contexto apresentado pelo consulente não sugere que o verbo ocorra com essa significação.

Pergunta:

«Estratégias de ensino-aprendizagem a nível da informática», ou «Estratégias de ensino-aprendizagem ao nível da informática»?

Os professores adequam recursos a, ou ao, nível informático?

Resposta:

Nas aceções de «no âmbito de», «no domínio de», e seguida de expressão nominal, o uso atestado em Portugal favorece a expressão «ao nível de», pelo que, em princípio, se pode considerar «ao nível da informática» melhor que «a nível da informática». No entanto, não é fácil emitir um parecer sobre este tópico, pelas razões que a seguir exponho.

Deve, em primeiro lugar, assinalar-se que, em certos contextos, o uso destas expressões tem a desaprovação da tradição normativa, quer do Brasil quer de Portugal, países onde se considera tratar-se de formas palavrosas e inúteis de dizer o mesmo que de. Nesta perspetiva, considera-se que «uma reunião a nível do parlamento» é expressão substituível por «uma reunião parlamentar», muito mais económica. Observe-se, porém, que nem sempre a rejeição de «a/ao nível de» se justifica pelos mesmos motivos, consoante a crítica provenha do Brasil ou de Portugal.

A respeito do uso brasileiro, Maria Helena de Moura Neves, no Guia de Uso do Português (São Paulo, Editora Unesp, 2003, s. v. nível) faz o seguinte comentário:

«1. A expressão a nível de tem sido muito usada como equivalente dos simples de, como, em, e esse uso vem sendo condenado nas lições normativas. Na verdade, nesses casos, ela não acrescenta nada ao enunciado. Avalie-se a inconveniência que haveria se se substituíssem, nas frases seguintes, de, como e no pela expressão a nível de. O único inconveniente seria a presença do sócio minoritário nas reuniões de diretoria. [...] Terá ela essa coragem? Posso desejá-la, como romancista. Mas, como cristão, peço a  Deus que ela não a tenha. [...] É sabido que o fenômeno urbano se ma...

Pergunta:

Em alguns países da Europa é comum ver valores monetários cuja parte decimal é zero serem escritos com um traço na parte decimal. Por exemplo, em vez de 5 € ou 5,00 €, temos 5,- €.

Esta notação é admissível em Portugal?

Resposta:

A notação em referência não é usada em Portugal. Não se trata de uma questão de ser ou não admissível, simplesmente não tem sido usada.