Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como deverão ser chamados os habitantes e/ou nascidos na localidade de Nariz (Aveiro)? Julgo que existem várias possibilidades, mas qual a mais correcta? "Naricences"? "Narienses"? "Narizenses"? Outra?

Resposta:

No portal de Nariz, declara-se que o gentílico respetivo é naricense. Além disso, atribui-se a origem do topónimo ao nome de S. Pedro de Náris (ver também blogue Sarrabal), do qual, presume-se, seria adaptação popular. Contudo, não encontro explicação sobre a proveniência ou a localização desta forma "Náris", nas fontes a que tenho acesso. O mais que acho é por intermédio de José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, onde o verbete correspondente a Nariz, confirmando a sua localização no distrito de Aveiro e também na Madeira (nome de um baixio) e em Santiago do Cacém (Narizes), apenas relaciona o topónimo ao substantivo comum nariz. Em conclusão, não se sabendo qual a etimologia do topónimo em apreço, aceito e recomendo, por enquanto, a forma proposta pelo referido portal.

Pergunta:

Qual é o correto: «Setor/Departamento de Suprimentos», ou «Setor/Departamento de Suprimento»?

Sempre falei «suprimentos», e hoje meu líder comentou com a equipe que «suprimento» (no singular) é o correto. Fiquei curiosa... Está certa essa afirmação, ou ambas as formas estão corretas?

Agradeço desde já pela atenção dispensada.

Resposta:

As duas formas estão corretas: segundo o Dicionário Houaiss (ver também iDicionário Aulete), no português do Brasil, suprimento é usado quer como «ato ou efeito de doar, fornecer ou entregar auxílios, provisões, materiais etc.; provimento, fornecimento, provisão» quer como «aquilo que se doa, fornece ou entrega». Deste modo, um departamento ou setor que faz suprimento é também um departamento ou setor que entrega suprimentos. De qualquer forma, pesquisas na Internet apontam para que a palavra se use mais no plural quando associada a setor ou departamento.

Pergunta:

Gostava de saber se antes da reforma ortográfica de 1911 (tão agressiva com a língua portuguesa) as pessoas com o apelido Pereira também grafavam com o y (Pereyra). Os meus amigos hispanos dizem-me que Pereyra é mais próprio da América Hispana, e que na Lusofonia deve escrever-se com i latino. Eu pessoalmente gosto de escrever com y... Estou a ser incoerente com a minha cultura (lusófona) se adoto a grafia Pereyra? Por favor ajudem-me a decidir como escrever o meu apelido, até porque sou músico, e quero publicar os meus trabalhos com o meu nome e apelido corretamente escrito, e em coerência com o mundo a que pertenço, que é o da lusofonia.

Muito obrigado pelo vosso esforço e amor à língua portuguesa.

Resposta:

Não é certo que antes da reforma ortográfica de 1911 se escrevesse frequentemente Pereyra, com y, muito embora esta letra tivesse uso abundante (p. ex. typo e lyra em lugar de tipo e lira, respetivamente). Nos inícios do século XVIII, ocorre Pereyra, por exemplo, na Vida de D. Nuno Álvares Pereyra, segundo Condestável de Portugal, do padre Fr. Domingos Teixeira. Contudo, mais de cem anos depois, consultando a revista O Instituto (publicada enttre 1853 e 1981), verifica-se que Pereira e, por exemplo, outro apelido/sobrenome também acabado em -eira, Ferreira, se escrevem como hoje. Além disso, refira-se que José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, regista apenas a forma Pereira, acerca da qual também refere atestar-se a variante Pireira (séc. XIV).

Acrescente-se que este apelido também é galego, língua em que tem a mesma forma que em português, Pereira. Pode supor-se alguma interferência do castelhano na grafia do nome, uma vez que y é usado na ortografia do espanhol, mas a verdade é que, neste caso, a letra y ocorre geralmente normalmente em final de uma sequência gráfica e nunca...

Pergunta:

Qual a origem da palavra bajanca e o seu significado? E laberças («papas laberças»)?

Agradeço.

Resposta:

Sem qualquer contexto, torna-se difícil interpretar a palavra bajanca, que encontro como topónimo, localizado em Castelo de Paiva, e, no plural, como Bajancas, em Penela (Coimbra) e Vila Real, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, sem que este autor esclareça cabalmente a origem do nome: «Estará relacionado com vagem, de que será um derivado?» Como substantivo comum, acho também uma forma muito próxima, bajanco, que tem dois significados bastante diferentes um do outro, a ponto de se falar de dois homónimos (José Pedro Machado, Grande Dicionário da Língua Portuguesa): bajanco 1, «margem escarpada do ribeiro, que forma precipício, mas de pouca altura»; e bajanco 2, «charlatão, curandeiro, mezinheiro que cura com ervas». O Dicionário Houaiss confirma estes significados, registando bajanco 1 como sinónimo de barranco, sem atribuir-lhe etimologia, e bajanco 2, com a indicação de ter «origem obscura». É possível que bajanca seja uma variante regional de bajanco.

Quanto a laberças, que pressupõe um singular laberça, nada encontrei nas fontes consultadas. Só me deparo com este vocábulo, associado a papa, na expressão «papas laberças», em páginas de culinária na Internet e num famoso livro de Maria de Lourdes Modesto, Cozinha Tradicional Portuguesa (Lisboa/São Paulo, Editorial Verbo, 1982, pág. 85), onde as «papas laberças» são atribuídas à cozinha regional da Beira Alta. De qualquer forma, são nulas as pistas sobre a etimologia deste regionalismo.

Pergunta:

De acordo com a nova terminologia, como se classifica a palavra mal-estar? É um composto morfológico, ou morfossintático? Mal pode ser considerado prefixo? Obrigado.

Resposta:

De acordo com o Dicionário Terminológico, que se destina a apoiar o ensino da gramática no ensino básico e secundário, trata-se de um composto morfossintático, visto que provém da associação de mal, que é um advérbio, a estar, um verbo. Mal não é considerado prefixo, como se pode verificar na Nova Gramática do Português (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984: 108), de Celso Cunha e Lindley Cintra, a qual apresenta como exemplos de composição bem-aventurar e maldizer (ver igualmente Margarita Correia e Lúcia San Payo de Lemos, Inovação Lexical em Português, Lisboa, Edições Colibri, 2005, pág. 41). Note-se ainda que a rigor a palavra mal-estar é também resultado da conversão do sintagma verbal «mal estar» em substantivo, mal-estar.