Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Que significa mânfio?

Resposta:

A palavra mânfio, que pertence a registos informais, se não mesmo baixos, do português europeu, significa «pessoa de baixo caráter, sem escrúpulos e de comportamento duvidoso», segundo O Novo Dicionário do Calão (Lisboa, Casa das Letras, 2005), de Afonso Praça. O Dicionário de Expressões Populares Portuguesas (Lisboa, Edições D. Quixote, 1995), de Guilherme Augusto Simões, regista a mesma palavra numa aceção muito semelhante («malandrim», «tipo esperto»), embora também lhe atribua sentido mais neutro («indivíduo») e outro em aparente contradição com os que já foram apresentados — «polícia». Refira-se que a palavra não se encontra nos dicionários gerais consultados (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, Dicionário Houaiss, iDicionário Aulete) e que, sobre a origem de mânfio, as fontes que o registam nada adiantam.

Pergunta:

Palavras em que o x se lê como s, ex.: verbo trazertrouxe, trouxestes, trouxeram, trouxe, trouxeste, trouxemos, trouxesse, trouxesses, trouxesse, trouxéssemos, trouxésseis, trouxessem.

Por que razão se escreve x?

Obrigado.

Resposta:

Por razões etimológicas, isto é, históricas. Durante a Idade Média e talvez até mais tarde, no pretérito perfeito do indicativo do verbo trazer (trouxe, trouxeste, trouxe, trouxemos, trouxestes, trouxeram) e nos tempos derivados desse tema (troux-: mais que perfeito, trouxera; futuro do conjuntivo, trouxer; e imperfeito do conjuntivo, trouxesse), parece que o x de troux- era uma consoante chiante (como se fosse "trouche"), como acontece atualmente com baixo. Só mais tarde é que esse x passou a ter o atual valor de [s], uma sibilante surda (trouxe = "trousse"; cf. Dicionário Houaiss, s.v. traz-: «[...] trouxe (trouxera, trouxesse, trouxer), com o -x- prov[avelmente] chiante, depois sibilante surdo»).

Pergunta:

Qual é a diferença entre fritar e frigir?

Resposta:

Em referência ao processo de cozinhar alimentos em manteiga ou óleo muito quentes, fritar e frigir são sinónimos. No entanto, no português contemporâneo, fritar sobrepôs-se a frigir, que só se acha em textos mais antigos ou se recupera como recurso literário. 

Uma consulta do Corpus do Português de Mark Davies e Michael Ferreira indica que a forma de infinitivo frigir conta com 24 ocorrências, das quais 19 se concentram em textos compreendidos entre o século XVI e o século XIX. Fritar tem 19 ocorrências, quase todas (17) concentradas — 10 do português de Portugal e 7 do português do Brasil — em textos no século XX. Além disso, é curioso verificar, por exemplo, que o iDicionário Aulete remete a entrada frigir para fritar, deixando concluir que esta é a forma mais conhecida.

Noutros contextos, os verbos diferenciam-se claramente, mas trata-se de um uso técnico no caso de fritar e, no de frigir, de modos figurados de fazer referências a certas situações (Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, e exemplos do Dicionário Houaiss):

fritar: proceder ao cozimento de (ingredientes com que se fabrica o vidro).

frigir

Pergunta:

Preciso saber como é que se escreve o verbo expedir e o verbo remeter no seguinte contexto: «Espero que vossa direcção... o documento mencionado» (quando eu solicito da maneira apropriada um documento e espero que mo entreguem).

Agradeço vossa resposta.

Resposta:

O verbo expedir segue a mesma conjugação de pedir: «Espero que a vossa direção me expeça.» Quanto ao verbo remeter, tem este a mesma conjugação de meter: «Espero que a vossa direção expeça e me remeta o documento mencionado.»

Pergunta:

É comum ver consultor no lugar de corretor, por ser considerado mais «chique»! Mas neste caso pode escrever: «consultor em imóveis», ou «consultor para imóveis», ou «consultor de imóveis»? E por que não «conselheiro em imóveis»? Pode ser?

Agradeço, desde já, as respostas.

Resposta:

Partindo do princípio de que as expressões mais corretas são «corretor de imóveis» e «consultor de imóveis», refira-se que corretor,1 no contexto da compra e venda de imóveis no Brasil, designa «agente comercial (de publicidade, de imóveis etc.)» (Dicionário Houaiss).2 O iDicionário Aulete confirma esta definição: «Aquele que trabalha como intermediário na compra e venda de imóveis, ações, seguros.» Sobre consultor usado no mesmo contexto, não encontro referência específica nos dicionários consultados, para além das aceções que aí se atribuem à palavra. Aliás, a consulta do corpus NILC/São Carlos (Linguateca), constituído por «textos brasileiros do registo jornalístico, didáctico, epistolar e redacções de alunos» (idem), mostra que a expressão «corretor de imóveis» ocorre 18 vezes, enquanto não se deteta nenhuma de ocorrência de «consultor de imóveis», o que sugere que a expressão consagrada é efetivamente «corretor de imóveis».

Mesmo assim, porque o mundo muda e a língua também, assinalo que há quem diferencie entre «corretor de imóveis» e «consultor de imóveis». É que se faz num blogue brasileiro:

«O mercado costuma denominar "corretor" o profissional devidamente inscrito no Conselho Regional dos Corretores de Imóveis — CRECI. Refere-se, de outro lado, a "consultor" para denominar o profissional não escrito (pseudocorretor/irregular).»

Contudo, na mesma fonte, propõe-se outro entendimento da expressão «consultor de imóveis», concebendo-a como d...