Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Peço desculpa por retomar o tema dos adjetivos e agradeço, desde já, a vossa disponibilidade e preciosa ajuda.

Numa plataforma digital facultada por um grupo editorial, surge uma apresentação sobre as funções sintáticas internas ao grupo nominal — modificador restritivo do nome e modificador apositivo do nome — com seguinte exemplo: «As revistas científicas são muito interessantes.» O grupo adjetival «científicas» é apresentado como modificador restritivo do nome.

A minha dúvida é:

— O adjetivo científicas é relacional («revistas de ciência»?)? Se é relacional, pode ter a função sintática de modificador? Ou devo considerar «científicas» um adjetivo qualificativo?

Em determinada fase do meu estudo, tinha percebido que um adjetivo qualificativo tem a função sintática de modificador e o adjetivo relacional de complemento do nome.

Muito obrigada pela atenção.

Resposta:

O adjetivo científico é relacional, porque (cf. Dicionário Terminológico, s.v. Classes de adjetivos, domínio, B. 3.1; ver também Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, pág. 247 e 263):

a) tem um nome (ciência) como base derivacional;

b) configura uma relação semântica (assunto), que é concebida como afim da relação de posse: «a revista que é de/diz respeito a ciência».

Note-se que nem sempre um adjetivo relacional corresponde a um complemento nominal: «americana» é complemento do nome em «invasão americana», porque invasão pressupõe a relação com o verbo invadir e o seu sujeito, o agente do ato de invasão («os americanos ou a América invadiram um país/território x»); mas é modificador em «tabaco americano», porque aqui apenas se indica proveniência de um produto que é designado por tabaco, que não pressupõe nenhuma relação especial com um verbo de ação.

Pergunta:

Gostaria de saber se há alguma diferença entre os verbos demostrar e demonstrar. Algum deles é considerado arcaísmo, ou a utilização dos dois é igualmente atual?

Obrigada.

Resposta:

Demostrar é o mesmo que demonstrar, mas deve classificar-se como arcaísmo, sendo atualmente pouco ou nada usado. O Dicionário Houaiss, em nota etimológica a demonstrar, refere que esta forma tem a «var[iante] vulg[ar] desnasalizada demostrar».

Pergunta:

Qual a origem do apelido Rosa? Não encontro em lado algum...

Resposta:

O nome Rosa usa-se frequentemente como nome próprio, tendo origem no substantivo comum rosa (José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa). Além disso, Rosa é usado como apelido, atribuindo Machado (op. cit.) a sua origem a uma antiga alcunha, também ela derivada do substantivo comum rosa; é apelido documentado desde, pelo menos, o século XIV (1339?): «Johã da Rosa mercador...» (idem).

Pergunta:

Gostaria de saber a etimologia da palavra batuque, assim como todas as informações relativas a esta palavra.

Agradecendo-lhes desde já a vossa ajuda.

Resposta:

A origem do substantivo masculino batuque é tema controverso.

José Pedro Machado, no seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, considera que batuque é um derivado regressivo de batucar, que, por sua vez, significa «bater continuamente» e deriva de bater. Contudo, o Dicionário Houaiss, na nota etimológica correspondente a esta entrada, embora permita verificar que Machado coincide com os filólogos brasileiros Antenor Nascentes e Antônio Geraldo da Cunha, refere outras propostas que apontam para uma relação com as línguas africanas:

«orig[em] contr[o]v[ersa]; segundo Nascentes, regr[essivo] de bater; segundo A[antônio] G[eraldo da] C[unha], regr. de batucar; para Cacciatore1, talvez do ronga batchuk, "tambor, baile"; Nei Lopes2 sugere associação com o verbo quimb[undo] tuka, "saltar".»

É, portanto, possível que, não negando a relação da palavra com o radical do verbo bater, se tenham nela projetado ou diretamente intervindo elementos mórficos e semânticos de procedência africana.

Ainda segundo o Dicionário Houaiss, a palavra está atestada, pelo menos, desde o século XVIII (em 1770, no Tractado da Queixas Endemicas, e mais Fataes nesta Conquista, pelo dr. Francisco Damião Cosme). Machado (op. cit.) indica uma datação mais tardia, em 1871, data de publicação do Grande Dicionário ou Tesouro da Lingua Portuguesa de Domingos Vieira, onde a palavra surge registada.

Quanto a prestar informações de caráter enciclopédico ou especializado sobre o objeto que se denomina batuque, parece-me que a consulente deverá procurar ajuda não aqui, no Ciberdúvi...

Pergunta:

Qual foi o critério para a retirada dos hífenes em pé de atleta, pé de boi, pé de chinelo, pé de galinha, pé de moleque, pé de pato, e não em pé-de-meia? Por que não também pé de meia, sem hífenes? Por que pé-de-meia é uma excepção? E, retirados os hífenes, todas aquelas palavras, antes escritas com hífenes, não viraram locuções? Então, como entender que sejam classificadas como meros substantivos, se agora se tornaram locuções?

Resposta:

O Acordo Ortográfico de 1990 estipula que pé-de-meia mantém o hífen, sendo assim uma exceção ao que o mesmo documento determina em relação às locuções substantivas que contêm um elemento de ligação sem se referirem a espécies botânicas ou zoológicas (Base XV, n.º 6):

 

«Nas locuções de qualquer tipo, sejam elas substantivas, adjetivas, pronominais, adverbiais, prepositivas ou conjuncionais, não se emprega em geral o hífen [...]. Sirvam, pois, de exemplo de emprego sem hífen as seguintes locuções: a) Substantivas: cão de guarda, fim de semana, sala de jantar;[...].»

No entanto, o Vocabulário Ortográfico do Português (VOP) do ILTEC, generalizando esta regra à palavra em causa, regista «pé de meia» com a variante pé-de-meia.

OBS.: Na discussão do uso dos hífenes em locuções com elementos de ligação (pé-de-meia/pé de meia ou sala de jantar), convém assinalar se contesta o critério adotado  no VOP. Refira-se a posição do consultor D´Silvas Filho, que defende a conservação do hífen nas locuções que tenham perdido os seus significados composicionais (os dos seus elementos) para adquirirem signifi...