Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Em tempos [...], perguntei sobre a origem do topónimo/antropónimo Góis. Sabe-se que o vocábulo gói quer dizer não judeu, aquele que não pertence à comunidade israelita. Tendo em vista a perseguição aos judeus em 1496, por exemplo, muitos deles homiziando-se no interior de Portugal, o nome Góis não estaria ligado a esses factos?

Meus cumprimentos pelo vosso trabalho, e obrigado.

Resposta:

A discussão da origem do topónimo Góis (Coimbra) não confirma nem uma eventual relação com a língua hebraica nem com a comunidade judaica portuguesa. José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa), citando outros autores, assinala a hipótese de este nome encontrar paralelo na toponímia dos Baixos Pirenéus (França), junto a Espanha, o que significa poder supor-se uma origem basca ou ibérica, tendo em conta o apelido/sobrenome basco Goyeche ou Goieche, etimologicamente «casa de cima» (goi, «cima», e etxe, «casa»). Também apresenta uma etimologia alternativa, de J.-M. Piel, que defende uma origem germânica (de um nome próprio Goi-, do gótico gauja, pela forma patronímica Goius).

No entanto, um outro estudioso da etimologia dos nomes de lugar, A. Almeida Fernandes (Toponímia Portuguesa: exame a dicionário, 1999), contesta as hipóteses avançadas por Machado, propondo outra explicação. Góis terá de ser interpretado em associação com Goios (Esposende e entre Vila Nova de Cerveira e Caminha), que remonta a Gaudiosus, que Fernandes interpreta como «rochoso»:

«Temos de curvar-nos à evolução lat. *cotiosu (do lat. cote-) > *goudiosu > *gouiosos > "Góios" (retracção tónica de Goiós, para evitar a confusão com os diminutivos em -ó, que eram o que mais de díspar haveria da impressiva ou dilatada paisagem rochosa.)»

Em suma, se existem topónimos de origem hebraica e...

Pergunta:

Tenho uma dúvida em relação à formação dos plurais. Se tenho a palavra cão, cujo plural é cães, que regra gramatical me indica isso? Porque não pode ser cãos?

Como saber quando a palavra passa ao plural com o sufixo -ãos, -ães ou -ões?

Resposta:

Não existe uma regra que se aplique intuitivamente, conforme já se explicou noutras respostas (ver Textos Relacionados). Sendo assim, não pode ser "cãos" nem "cões", por razões históricas.

O plural -ães relaciona-se coma terminação latina -anes, que evoluiu, por exemplo, como -anes em espanhol (capitán, capitanes). Sabendo que, em latim vulgar, a palavra cane, «cão», tinha por plural canes, o plural de cão só pode ser cães.

Pergunta:

Qual a tradução para a palavra gamification? Será gamificação?  E, se sim, porque é que ainda não aparece nos dicionários? Como posso saber se é legítimo usar numa dissertação de mestrado?

Muito obrigado!

Resposta:

No contexto de áreas especializadas, não se pode esperar que os dicionários gerais sejam esclarecedores, até porque estes tendem a acolher sobretudo o vocabulário mais estável. Quanto à boa formação de "gamificação", há a dizer que a palavra é possível, muito embora o radical que é escrito gam- se leia supostamente como "gueim", isto é, como se pronuncia em inglês, o que levanta alguns problemas de aceitabilidade, porque esta grafia foge aos princípios que definem a relação entre a ortografia e a fonética do português. Em alternativa, dado usar-se em espanhol ludificación, jueguización e juguetización (ver Wikipédia em espanhol) e, em francês, ludification (Wikipédia em francês), porque não formar "ludificação" ou "joguização"? Estas formas neológicas têm a vantagem de ter radicais de origem latina e, por isso, enquadram-se melhor na tradição de formação de palavras do português.

Pergunta:

Considera-se que pertencem a uma família de palavras as palavras com o mesmo radical. Será que campeão é da família de campo, ou atravessar é da família de travesseiro?

Resposta:

Tendo em consideração que a família de palavras é definida pelas palavras que têm em comum um mesmo radical, pode dizer-se que, por razões históricas, campeão é da família de campo, e travesseiro, da família de atravessar. Mas vale a pena deixar breves comentários:

1. A palavra campeão está muito indiretamente ligada a campo, porque, embora tenha um radical de origem latina (camp-), terá aparecido em português como um empréstimo, conforme explica o Dicionário Houaiss: «[do] germ[ânico] ocid[ental] *kampjo, der[ivado] de kamp, "campo de batalha", este do lat[im] campus; talvez pelo fr[ancês] champion [...].»

2. Quanto a travesseiro, «almofada [...] que se coloca à cabeceira da cama e serve para descansar a cabeça, ao dormir», trata-se de um derivado não de atravessar, mas de travesso, também segundo a mesma fonte: «travesso + -eiro; o nome advém do fato de ser uma espécie de almofada que se põe na cama atravessada em relação ao comprimento da mesma.»

Pergunta:

Costumo ouvir «o síndrome». Creio que a palavra é feminina: «a síndrome».

Existe também, no masculino, a variante «o sindroma», palavra grave?

Obrigada.

Resposta:

Recomenda-se síndrome ou síndroma, sempre esdrúxulas, do género feminino (cf. Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora). Também se regista síndromo (cf. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa), variante pouco usada, também esdrúxula, mas do género masculino.

1 Daí que se diga «a sida», atendendo a que esta palavra é originalmente o acrónimo de «síndrome de imunodeficiência adquirida».