Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Ao iniciar minha revisão da língua portuguesa (do Brasil), durante a passagem pela história da língua, percebi que havia uma relação entre o galego e o português. Resumindo, constatei que o verbo pedir, no presente do indicativo, é semelhante, porém, não há o ç.

De onde veio, ou porque foi colocado este ç se a suposta forma "arcaica" do português não o tinha (pido)?

Constatei a presença do ç em ambas as [variedades da língua]: português do Brasil e português europeu, no entanto não no galego.

Uma de minhas fontes foi este endereço.

Obs.: Sou formado apenas no ensino médio, não possuo um profundo conhecimento na língua, estou "descobrindo" este mundo com mais detalhes somente agora.

No mais, desde já, agradeço pela atenção.

Resposta:

Transcrevo o que Said Ali, na sua Gramática Histórica da Língua Portuguesa (São Paulo, Edições Melhoramentos, 5.ª edição, 1965, pág. 134), diz em nota, de forma bastante acessível, sobre a história da forma peço, 1.ª pessoa do singular do verbo pedir (manteve-se a ortografia original):

«Do verbo petere ocorrem na Ibero-România duas formas para a 1.ª pessoa do presente do indicativo: peço (de *petio), usado em Portugal e fixado na linguagem literária dêste país desde os mais antigos tempos; e pido (de peto), próprio do espanhol e de alguns falares regionais de Portugal. Observo a este propósito que laboraram em equívoco os que afirmam se usasse antigamente em português literário pido, pida, pidas, etc., em vez de ou a par de peço, peça, peças, etc. Tal maneira de dizer era tida por plebeísmo. Peço é a forma sempre usada nos textos antigos: peço que tu a çerçeasses (Santo Amaro, 514); eu mais bem te peço que nom tenho merecido (D. Duarte, Leal Cons[elheiro] 320); Senhores peço-vos hũu dom: que me outorguedes o que vos quero pedir (Livro de lInhagens fl. XVI); ora vos peço que me talhedes a cabeça com esta spada (Santo Graal 31); peçovos por mercee que me leixedes hir em vossa companhia (ib. 45); eu vos peço tanto que sejades meus ospedes (ib. 51); porem vos peço por merçee que me perdoes (Fernão Lopes, [Crónica de] D. J[oão I] 27); desto vos peço eu perdom e nom doutra cousa (ib.).»

Em galego a forma pido, «peço», é efetivamente resultado da regularização do paradigma verbal, como explica o linguista galego Manuel Ferreiro (Gramática Histórica Galega, Santiago de Compostela, Edicións Laiovento, 1996, pág. 307...

Pergunta:

Ouve-se muitas vezes pronunciar a palavra tonteria. Aqui no Ciberdúvidas preferem-lhe tontaria. E tonteira, que se ouve pouco na comunicação social, mas que me habituei a ouvir desde miúdo?

Resposta:

A palavra tonteira está registada no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, com os seguintes significados:

1 – «comportamento, dito... irreflectido, ilógico ou incompreensível; atitude de pessoa tonta» (sinónimo de asneira, disparate, tolice, tontice);

2 – «perturbação cerebral passageira que provoca desequilíbrio e perda do sentido de orientação» (sinónimo de estontemento, tontura, vertigem).

O mesmo dicionário indica que tonteira também faz parte da expressão «dar-lhe/me/te... na tonteira para», que é usada nas aceções de «resolver subitamente», «lembrar-se repentinamente de fazer alguma coisa, de tomar uma decisão».

Pergunta:

A palavra família é um nome coletivo, ou comum?

Resposta:

A palavra família é um nome (ou substantivo) comum e coletivo, no sentido de «conjunto de parentes» (Dicionário Houaiss). Note que não existe oposição entre nome comum e nome coletivo, pelo contrário, um nome coletivo é um nome comum (cf. Dicionário Terminológico).

Pergunta:

«Estampei-me contra um carro da polícia. Estou mesmo cheio de azar. E logo eu que tenho um curso de condução avançada.»

«E logo eu que» está correcto?

Muito obrigado.

Resposta:

A expressão «logo» ou «e logo», conforme ocorre no contexto apresentado, está correta e encontra-se descrita no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (manteve-se a ortografia original):

«Para indicar desagrado e admiração por ser exactamente essa pessoa ou coisa, desse modo ou nessa altura (tem valor exclamativo). Logo a mim me havia de acontecer semelhante coisa. E logo agora que estava a estudar é que eles chegam. Saiu-lhe logo a pergunta mais difícil

É de notar que é obrigatório usar uma vírgula, depois do pronome eu, na sequência «E logo eu, que tenho um curso de condução avançada», porque uma oração introduzida pelo relativo que, a seguir a pronome pessoal sujeito (eu, tu, ele/ela, nós, vós, eles/elas), tem sempre valor explicativo.

Pergunta:

Como devo escrever o adjetivo amarga, flexionado no grau superlativo absoluto sintético: amaríssima, ou amarguíssima?

Resposta:

Recomenda-se amaríssima (cf. Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, p. 259; E. Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, 2002, p. 150), embora também se possa aceitar a forma amarguíssima (cf. Dicionário Houaiss).