Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostava de saber se devemos dizer «dentro em breve», ou «dentro de em breve».

Obrigada.

Resposta:

«Dentro em breve» é a forma usada, registada em dicionários (cf. Dicionário Estrutural, Estilístico e Sintático da Língua Portuguesa, de Énio Ramalho, dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, s. v. breve, e Dicionário Houaiss, s. v. breve) e, portanto, correta. Existe outra locução adverbial que tem a mesma estrutura e é praticamente sinónima — «dentro em pouco».

Repare-se que não estamos a falar de uma expressão em que se inclua a locução prepositiva «dentro de», que eventualmente legitime a sequência «dentro de em breve», que de facto não se usa. Tal análise parece não ter cabimento, uma vez que o Dicionário Houaiss acolhe como subentrada de breve a locução prepositiva «dentro em», «no interior de» e «no espaço de tempo de», que justifica expressões como «dentro em seu coração» e «dentro em poucos minutos» (idem). Deste modo, mesmo que se pretenda ignorar o estatuto idiomático de «dentro em breve» e de «dentro em pouco», o qual permitiria explicar a hipotética irregularidade destas expressões, verifica-se que a atestação de «dentro em» acaba por legitimar a estrutura de «dentro em breve».

Pergunta:

Gostaria de saber a forma correta de pronunciar as formais verbais do presente do indicativo do verbo ganhar.

Não sei se a vogal a se deve pronunciar aberta ou fechada. Qual é a forma correta?

Muito obrigada.

Resposta:

Há já respostas (ver Textos relacionados) sobre a pronúncia deste verbo. De qualquer modo, vale a pena registar o que se transcreve em dicionários produzidos nos últimos trinta anos em Portugal. Assim:

— O Dicionário de Português Básico (1991), de Mário Vilela, indica em transcrição fonética que o verbo tem a fechado na primeira sílaba;

— o mesmo faz o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, que, no entanto, também admite a forma com a aberto;

— o dicionário da Academia das Ciências mostra um a aberto na mesma sílaba (transcrição fonética: [gaˈɲaɾ].

Pode, portanto, dizer-se que atualmente ambas a pronúncias estão corretas, embora a que tem a fechado na sílaba átona tenha implantação fora do eixo Lisboa-Coimbra (é frequente na região do Porto, cujo dialeto serve de base empírica para os dois primeiros dicionários que aqui são mencionados) e esteja a ganhar terreno entre as gerações mais jovens mesmo na capital portuguesa.

Pergunta:

Gostaria de saber se posso aceitar que a palavra alunar é formada por prefixação, considerando que se acrescentou o prefixo a ao adjetivo lunar, ou se devo considerar que é derivada por parassíntese por se ter juntado aquele prefixo e o sufixo ar (verbal) ao radical latino lun-.

Resposta:

Considera-se o verbo alunar como palavra derivada por parassíntese, uma vez que ao radical lun- se associam simultaneamente o prefixo a- e o sufixo -ar (cf. exemplos de parassíntese, retirados do Dicionário Terminológico: a[padrinh]ar, a[podr]ecer, a[joelh]ar, en[gord]ar).

Pergunta:

Tenho visto muitos textos portugueses, em especial a Wikipédia lusófona, e me deparado com as palavras registo, registado, registadas.

Quero saber a que se deve essa diferença, visto que no Brasil dizemos (e escrevemos) registro.

Resposta:

A forma sem r, usada hoje em Portugal, está atestada pelo menos desde a Idade Média, conforme evidencia o Corpus do Português (Mark Davies e Ferreira):

«[...] deue seer o juiz antreuygiado pera fazer escreuer no seu Registo todo o feito» (Afonso X, Terceyra Partida, c. 1300, tradução em português antigo).

A forma com r apresenta esta consoante por interferência culta, de modo a aproximá-la do étimo latino-medieval, possivelmente com influência do francês medieval, conforme aponta o Dicionário Houaiss em nota etimológica: «lat[im] med[ie]v[al] registrum, der[ivado] do lat[im] tar[dio] regesta, "catálogo", part[icípio pas[sado] pl[ural] neutro subst[anti]v[ado] de regerĕre, "repor, tornar a trazer; ajuntar, reunir etc.", prov[avelmente] por infl[uência] do fr[ancês] registre (1259), "livro onde se anotam as atas", (1559) "registros do órgão (instrumento musical)" [...].»

O português lusitano manteve a forma medieval, mais popular, enquanto no português brasileiro se manifestou preferência pela forma registro, de caráter culto, à semelhança do que acontece atualmente em espanhol (registro), francês (registre) e noutras línguas. Penso que vem a propósito aqui deixar, como síntese, o comentário que se faz no Diccionario de Dúbidas da Lingua Galega (Vigo, Galaxia, 1991) à forma galega não normativa rexisto, que acusa a influência do português europeu:

«rexisto, s. m. Palabra empregada como lusismo ou vulgarismo no canto de* rexistro, do lat. medieval REGISTRUM (na época alternaban as formas en -tro e -to). Hoxe, esta palabra é un cultismo...

Pergunta:

A interjeição oxalá deriva de uma palavra árabe, wa sha alá', significando «queira Deus» [...]. Portanto, não se aconselha o uso da seguinte expressão: «Oxalá Deus queira», porque a expressão sublinhada já transporta consigo a partícula que e Deus.

Mas o bispo de minha igreja disse: «Oxalá Deus queira.»

Admite-se?

Que acham?

Resposta:

Sem outro contexto, a sequência em causa parece incompleta, porque não se diz o que se pretende que Deus queira. E, tal como está, a sequência torna-se redundante, não pela razão de «Deus queira» significar etimologicamente o mesmo que oxalá — que é verdade —, mas, sim, porque usamos o advérbio de origem árabe com o mesmo valor desiderativo que «Deus queira». No entanto, é possível ocorrerem frases como «oxalá Deus ajude estes jovens», em que a ocorrência da palavra Deus não é sentida como redundante em relação a oxalá.