Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Surgiu-me uma dúvida que não consigo esclarecer, apesar da pesquisa que já fiz em dicionários, prontuários, no Ciberduvidas e na Internet. Trata-se da designação dada à comemoração de um facto que ocorreu 500 anos antes. Será "quingentenário", "pentacentenário", ou nenhuma destas?

Obrigado.

Resposta:

Em teoria, relativamente a 500 anos, a forma correspondente seria "quinquicentenário", atendendo a que o antepositivo que se associa a centenário é sempre de origem latina (daí, não ser aceitável "pentacentenário", porque penta- tem origem grega), como se confirma por bicentenário, tricentenário e quadricentenário (cf. Dicionário Houaiss). Contudo, a verdade é que, depois de quadricentenário, não se usam as formas correspondentes a 500 ou mais, pelo que se recorre a uma forma analítica: «quinto centenário», «sexto centenário», etc.

No entanto, se a questão se refere ao adjetivo ordinal, isto é, a 500.º, a palavra correta é quingentésimo (pronunciado "cuingentésimo"; transcrição fonética [kwȉʒȅ´tɛzimu], dicionário da Academia das Ciências de Lisboa). Deste modo, também poderá referir-se a comemoração da passagem de 500 anos sobre um dado acontecimento pela expressão «quingentésimo aniversário»

Pergunta:

Na frase «É uma profissão como as outras», como classificar «as outras»? Como locução pronominal indefinida?

Resposta:

Trata-se de um pronome indefinido que coocorre com o artigo definido.

Note-se que o Dicionário Terminológico (DT) prevê a coocorrência dos determinantes indefinidos pronomes com os artigos (ver B.3. Classes de palavras, B.3.2., Classe aberta de palavras): «Quando o determinante indefinido coocorre com artigos definidos ou indefinidos ou com determinantes demonstrativos, o valor definido ou indefinido da expressão nominal é o veiculado pelo artigo ou pelo determinante demonstrativo.» Por outro lado, o DT define um pronome indefinido como «uso pronominal de um quantificador ou de um determinante indefinido». Ou seja, se os determinantes indefinidos podem ocorrer associados com artigos definidos («as outras profissões»), os pronomes indefinidos correspondentes apresentarão a mesma possibilidade.

Pergunta:

No livro de Raul Brandão As ilhas desconhecidas existe um capítulo cujo título é «a pesca da baleia». Tratando-se de um mamífero e das técnicas de arpoamento, não será mais correto dizer-se «caça à baleia»?

Muito agradeço a vossa ajuda neste imbróglio marinho.

Resposta:

Não sendo a baleia um peixe, é claro que caça é mais adequado. E tanto é possível dizer ou escrever «caça da baleia» como «caça à baleia», pressupondo esta expressão esta outra: «fazer caça à baleia». Mas, tendo em conta que o texto em causa é literário e procura transmitir e recriar a experiência emocional do contacto com o espaço e as gentes dos Açores, não é de admirar que se use pesca, possivelmente em referência a um uso popular. Além disso, a aparente impropriedade lexical não será exclusiva de Raul Brandão ou da língua portuguesa: é de lembrar que, em Moby Dick, o célebre romance do norte-americano Herman Melville (1819-1891), o narrador, Ishmael, chega a afirmar, em jeito de provocação, que a baleia é um certo tipo de peixe, entendido como animal marinho (ver artigo na Wikipédia em inglês).

Pergunta:

A palavra grupo pode ser considerada um nome coletivo, ou é nome comum?

Resposta:

Não há oposição entre nome coletivo e nome comum. Aliás, os nomes coletivos são geralmente nomes comuns.

Quanto a grupo, trata-se de facto de um nome coletivo, relativo a indivíduo ou pessoa (cf. Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Existe alguma regra para o sufixo -al quando é referente a plantações ou pomares de árvores de fruto? Como laranjal ou laranjeiral.

Obrigado.

Resposta:

Parece haver uma preferência por associar o sufixo -al ao nome do fruto, embora ele também possa afixar-se ao nome da árvore correspondente:

laranjal, de laranja, mais usado que laranjeiral, de laranjeira: o Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira, só apresenta ocorrências de laranjal e do plural laranjais;

– avelal ou avelanal, de avelã, mais que aveleiral, de aveleira: no Corpus do Português só ocorre avelal (trata-se, é certo, de uma única ocorrência, no singular, o que é escasso para generalizações);

– bananal, de banana, mais usado que bananeiral, de bananeira: na fonte já citada só figuram as formas bananal e bananais, nunca bananeiral.

Seja como for, os dicionários apresentam geralmente as duas possibilidades de derivação.