Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

No livro de Raul Brandão As ilhas desconhecidas existe um capítulo cujo título é «a pesca da baleia». Tratando-se de um mamífero e das técnicas de arpoamento, não será mais correto dizer-se «caça à baleia»?

Muito agradeço a vossa ajuda neste imbróglio marinho.

Resposta:

Não sendo a baleia um peixe, é claro que caça é mais adequado. E tanto é possível dizer ou escrever «caça da baleia» como «caça à baleia», pressupondo esta expressão esta outra: «fazer caça à baleia». Mas, tendo em conta que o texto em causa é literário e procura transmitir e recriar a experiência emocional do contacto com o espaço e as gentes dos Açores, não é de admirar que se use pesca, possivelmente em referência a um uso popular. Além disso, a aparente impropriedade lexical não será exclusiva de Raul Brandão ou da língua portuguesa: é de lembrar que, em Moby Dick, o célebre romance do norte-americano Herman Melville (1819-1891), o narrador, Ishmael, chega a afirmar, em jeito de provocação, que a baleia é um certo tipo de peixe, entendido como animal marinho (ver artigo na Wikipédia em inglês).

Pergunta:

A palavra grupo pode ser considerada um nome coletivo, ou é nome comum?

Resposta:

Não há oposição entre nome coletivo e nome comum. Aliás, os nomes coletivos são geralmente nomes comuns.

Quanto a grupo, trata-se de facto de um nome coletivo, relativo a indivíduo ou pessoa (cf. Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Existe alguma regra para o sufixo -al quando é referente a plantações ou pomares de árvores de fruto? Como laranjal ou laranjeiral.

Obrigado.

Resposta:

Parece haver uma preferência por associar o sufixo -al ao nome do fruto, embora ele também possa afixar-se ao nome da árvore correspondente:

laranjal, de laranja, mais usado que laranjeiral, de laranjeira: o Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira, só apresenta ocorrências de laranjal e do plural laranjais;

– avelal ou avelanal, de avelã, mais que aveleiral, de aveleira: no Corpus do Português só ocorre avelal (trata-se, é certo, de uma única ocorrência, no singular, o que é escasso para generalizações);

– bananal, de banana, mais usado que bananeiral, de bananeira: na fonte já citada só figuram as formas bananal e bananais, nunca bananeiral.

Seja como for, os dicionários apresentam geralmente as duas possibilidades de derivação.

Pergunta:

Na frase «A Divina Comédia de Dante é uma obra inclassificável», inclassificável é um adjetivo qualificativo?

Resposta:

No contexto em causa, inclassificável é interpretável como «sem igual», «extraordinária», e é um adjetivo qualificativo, muito embora não permita a construção de grau, porque já, por si, é um adjetivo que tem inerente um processo de intensificação, sendo, neste caso, equivalente a «muito boa». É de sublinhar, no entanto, que o referido adjetivo costuma ser entendido negativamente, com os significados de «inqualificável» e «digno de censura ou reprovação» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa; ver também Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).

Observe-se que, no contexto apresentado, inclassificável é usado com um significado literal, dedutível dos seus próprios elementos constituintes (o prefixo in-, «não», e o adjetivo classificável, «que pode ser classificado»). É, portanto, natural que o exemplo em discussão possa ser encarado como marginal e constitua um desvio ao uso mais corrente de inclassificável.

Pergunta:

Como devemos pronunciar a capital de Marrocos: Rabat? O t é mudo em português? E qual a legitimidade do uso das formas Rabá e Rabate? E quanto à forma histórica Rebate, será ainda legítimo usá-la?

Muito agradecido.

Resposta:

Em 1966, Rebelo Gonçalves, no seu Vocabulário da Língua Portuguesa, registava Rebate como «forma ver[nácula] que pretere o estrangeirismo Rabat». Acontece, no entanto, que, hoje em dia, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora, publicado em 2009, é o único entre os vocabulários ortográficos atualizados disponíveis que regista este topónimo, não sob a forma Rebate, mas como Rabat, sem indicar outra configuração mais portuguesa, por exemplo, "Rabate", referida pelo consulente. Por outras palavras, por agora, os vocabulários ortográficos apenas atestam duas formas: Rebate, que se pode considerar mais adequada do ponto de vista filológico, porém, sem uso; e Rabat, cuja pronúncia oscila, em Portugal, entre "rábate" e rábá" (como acontece com Josafat), fugindo aos padrões da ortografia e da morfologia do português (termina em -t), mas que se impôs no uso da comunicação social e da própria prática de redação oficial (como sucede no seio das instituições europeias; cf. Código de Redação Interinstitucional).