Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A minha dúvida é sobre as palavras simples quando flexionam em grau (nomes, adjetivos e alguns advérbios). Nas palavras simples podem existir sufixos flexionais, mas não sufixos derivacionais. Sendo assim, no caso de livrinho, o sufixo -inho é um sufixo flexional e será então uma palavra simples, ou é um sufixo derivacional e será uma palavra composta?

Resposta:

A pergunta é muito pertinente, no contexto do ensino básico e secundário em Portugal, pois, apesar de o grau estar incluído como categoria flexional no Dicionário Terminológico (DT), certas gramáticas escolares que o adotam integram os comentários sobre os sufixos de aumentativo e diminutivo nos capítulos sobre processos de derivação (cf. Cristina Serôdio et al. Nova Gramática Didática de Português, Santillana/Constância, 2011, pág. 94; Zacarias Santos Nascimento e Maria do Céu Vieira Lopes, Domínios – Gramática da Língua Portuguesa – 3.º ciclo e Ensino Secundário, Plátano Editora, 2011, págs. 60/61; M. Olga Azeredo et al. Da Comunicação à Expressão – Gramática Prática de Português, Lisboa Editora, 2011, pág. 282). Em suma, apesar do DT, parece seguir-se a abordagem mais tradicional (cf. Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Edições João Sá da Costa, 1984, págs. 90-95) e consideram-se os diminutivos e os aumentativos como palavras complexas, que era de resto a posição que se depreendia da Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário (TLEBS), muito discutida e contestada nos anos de 2006 e 2007.

Pergunta:

Costumo, quando me quero referir à bebida em si, escrever café (à excepção de casos em que essa é a primeira palavra da frase, claro) e Café quando me refiro ao estabelecimento... Faz sentido? Ex.: «Pedi um café cheio e soube-me mesmo bem.»; «Fui ao Café comprar pastilhas.»

Obrigado!

Resposta:

Deve usar a minúscula em ambos os casos: café, «bebida feita com o pó resultante da moagem das sementes secas e torradas do cafeeiro» (cf. dicionário da Porto Editora); café, «estabelecimento onde se serve esta e outras bebidas e algumas comidas leves» (idem). Trata-se de um caso de polissemia, em que uma palavra desenvolve significados diferentes mas ligados por relações de semelhança (metafóricas) ou por associação espacial (metonímia).

Cf. Breve História do Café: 1. Lisboa—Istambul

Pergunta:

Para limpar os dentes deve-se usar «fio dental», ou «fio dentário»?

Obrigado.

Resposta:

Não sendo impossível «fio dentário» (ver Textos Relacionados, mais abaixo), a forma registada em dois dicionários (Dicionário Houaiss e dicionário da Porto Editora) é «fio dental», forma, de resto, mais corrente quer no Brasil quer em Portugal. É possível que «fio dentário» surja como alternativa a «fio dental», pelo facto de esta última expressão ter passado a designar metaforicamente, em tom jocoso, pelo menos, historicamente, «[a] peça inferior do biquíni ou calcinhas de tamanho reduzido que descobrem totalmente as nádegas» (dicionário da Porto Editora). Note-se que dental e dentário são sinónimos, visto significarem «referente ou relativo aos dentes (Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Sabendo que o modificador interno ao grupo verbal pode apresentar-se sob as formas de grupo adverbial, grupo preposicional e oração, na frase «Ele demorou oito dias», qual a função sintática do grupo nominal «oito dias»?

Sabendo que o complemento oblíquo pode apresentar-se sob as formas de grupo preposicional, grupo adverbial ou a coordenação de ambos, na frase «A conferência durou três horas», qual a função sintática do grupo nominal «três horas»?

Resposta:

Demorar e durar são verbos que se referem a intervalos de tempo, expressos por grupos nominais com a função de complemento direto, muito embora não substituíveis pelo pronome átono o. Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, Editora Lucerna, 2002, pág. 418; mantém-se a ortografia original) realça esta particularidade, anotando que «não são freqüentes, embora gramaticalmente possíveis, as pronominalizações com os verbos [que significam medida, peso, preço e tempos]»; p. ex. (idem): «O corredor mede cinco metros.» (?«O corredor corre-os.»); «o atleta pesa sessenta quilos.» (?»O corredor pesa-os.», no sentido de «ter o peso de», e não «fazer pesar»); «O novo carro custou trinta mil reais.» (?«O novo carro pesou-os.»); «O filme durou três horas» (?«O filme durou-as»).

Pergunta:

Antes de mais, muitos parabéns pelo extraordinário trabalho que têm desenvolvido. Consulto com frequência a vossa página e espero que resolvam rapidamente as arestas ainda não limadas.

Quanto à questão, relaciona-se com a frase «Eles foram mascarados». «Foram» é do verbo ir, ou pode ser entendido como uma forma do verbo ser, na passiva, fazendo, portanto, um predicado nominal? «Mascarados», se for o verbo ser, é, ou não, um predicativo do sujeito?

Obrigada pela atenção.

Resposta:

A sequência podia ter sido mais bem contextualizada, de modo a apurar com mais clareza se se trata do verbo ir ou do verbo mascarar na voz passiva. No entanto, o mais certo é que, em «eles foram mascarados», «foram» seja uma forma do verbo ir, e não do verbo ser, porque é estranha uma frase em que ocorra a passiva de mascarar com um agente da passiva (?«eles foram mascarados pela tia»). Sendo assim, o mais plausível é mascarados ser um adjetivo participial, e não a forma de particípio passado de um verbo principal transitivo que participe na construção passiva. Por conseguinte, «mascarados» é um predicativo do sujeito.

Agradeço as palavars iniciais em nome do Ciberdúvidas.