Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Os termos teste, exame e prova, quando usados no contexto de avaliação das capacidades e conhecimentos académicos ou profissionais de alguém, podem ser considerados sinónimos entre si? Ou, tendo cada um o seu emprego específico, de que forma são usados?

Obrigado.

Resposta:

De acordo com a generalidade dos dicionários de referência consultados, os três vocábulos estabelecem entre si uma relação de sinonímia:

Exame: «prova destinada a avaliar a aptidão ou os conhecimentos de um aluno ou candidato a algum cargo, função, etc.; teste; prova» (Dicionário Houaiss); 

Teste: «Prova para avaliação do saber ou da inteligência. = EXAME» (Dicionário Priberam); 

Prova: «exame ou concurso; teste» (Infopédia). 

A este propósito, será interessante notar que nos Exames Nacionais dos Ensinos Básico e Secundário, por exemplo, da responsabilidade do Ministério da Educação e Ciência, o que se lê nos enunciados não é «exame», mas, sim, «prova escrita».

Pergunta:

Em 30-09-11, a vossa consultora Sandra Tavares diz numa resposta: «As duas palavras não sofreram alteração com o novo Acordo Ortográfico, mantendo a grafia anterior: luso-africano e lusodescendente

Todas as fontes que consultei (como os dicionários online, o dicionário da Academia das Ciências e o prontuário de D´Silvas Filho) apontam para luso-descendente como grafia pré-AO. Por outro lado, encontrei esta explicação num blogue: «Rebelo Gonçalves, no Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, recomendou o uso de hífen nos "compostos em que entram, morfologicamente individualizados e formando uma aderência de sentidos, um ou mais elementos de natureza adjectiva terminados em o e uma forma adjectiva". Exemplos? Físico-químico, póstero-palatal, trágico-marítimo, ântero-inferior; latino-cristão, grego-latino, afro-negro."

Escrevíamos mesmo "lusodescendente" antes do Acordo Ortográfico, ou trata-se de um lapso?

Obrigado.

Resposta:

Escreve-se sem hífen: lusodescendente, ao abrigo quer do Acordo Ortográfico de 1945 (AO 45) quer da nova ortografia. A estrutura de lusodescendente, como a de lusófono e lusofalante (Dicionário Houaiss), palavras que terão surgido anos depois do AO 45 (cf. idem), não é a de um composto formado por coordenação como luso-francês, mas, sim, a de um composto em que luso se comporta como um radical que modifica descendente – trata-se, portanto, de uma estrutura equivalente ou semelhante à dos chamados compostos clássicos (hidrografia, agricultura) e à dos híbridos (monocultura), cujos elementos se aglutinam, dispensando o hífen. Ou seja, em exemplos como físico-químico (=«físico e químico») ou trágico-marítimo (= «trágico e marítimo»), verifica-se a coordenação de dois atributos; pelo contrário, com lusodescendente pretende-se encarar a relação de descendência com a nacionalidade portuguesa, e não definir uma simultaneidade entre ser descendente e ser português.

Cf. Luso-africano e lusodescendente

CfBase XVIII das Bases Analíticas do Acordo Ortográfico...

Pergunta:

Estava eu estudando latim e percebi que alguns substantivos da língua portuguesa aparentam derivar sua forma não do nominativo, mas sim do ablativo, como em: pons, is, abl. ponTE; dens, is, abl. denTE; mons, is, abl. monTE; urbs, is, abl. urBE; avis, is, abl. avE; nox, is, abl. nocTE. Gostaria de saber como e por que causa se verifica essa aparente origem e também o porquê de nossa língua não ter declinações como o latim. Desde já agradeço-vos pela resposta e congratulo-vos pelo excelente trabalho de elucidar a língua nossa neste pantanoso terreno da Internet.

Resposta:

Em geral, os substantivos e os adjetivos do português provêm não do ablativo, mas, sim, do caso acusativo, com queda do -m final (é o chamado caso etimológico), tal como era típico do latim vulgar: PONTE(M) > ponte (os exemplos do consulente cabem todos neste tipo de declinação); CAUSA(M) > coisa; PORTU(M) > porto.

Existem, no entanto, vestígios do ablativo na etimologia de certos advérbios: HAC HORA > agora; HAC NOCTE > ontem.

Quanto à razão de a nossa língua não ter declinações como o latim, pensa-se que a evolução fónica muito contribuiu para confundir as diferentes formas dos casos. Sobre este assunto, leiam-se as respostas Sobre a evolução das palavras latinas para o português, Casos de novo e Traços dos casos latinos no português.

Pergunta:

Gostaria de saber como é que é correcto dizer: «passou a não ser mais nada senão um autómato», ou «passou a não ser mais nada que não um autómato»?

Obrigada.

Resposta:

A sequência correta é «mais nada senão um autómato», mas também pode dizer-se ou escrever-se «mais nada que um autómato» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, s. v. que, conjunção).

Existe, porém, «que não», com sentido de oposição ou adversativo: «Dá esse trabalho a outro que não a ele» (idem).

Pergunta:

Tenho ouvido muito sobre o feminino de elefante ser elefanta, mas esquecemo-nos de que o feminino da palavra elefante pode tanto ser elefanta como aliá, sendo esta última muitíssimo desconhecida para muitos, mas sendo a forma mais antiga.

Obrigado.

Resposta:

Regista-se efetivamente a palavra aliá (e a sua variante aleá) como designação de «elefante fêmea», conforme definição do Dicionário Houaiss, dicionário que a classifica como regionalismo (asiaticismo do Sri Lanca, ou seja, de Ceilão) e lhe atribui a seguinte etimologia:

«[Sebastião] Dalg[ado] refere que em cing[alês] há diversos nomes para elefante e que, em Sri Lanka, nenhuma fêmea tem presas e raros são os machos que os apresentam: "Os port[ugueses], que já conheciam na Índia o animal com dentes e lhe davam o nome europeu com o seu gênero próprio, ouvindo que os indígenas (no Ceilão) chamavam comumente aliya ao seu paquiderme, entenderam que tal era a denominação específica de ´todo o elefante sem dente, quer seja macho quer fêmea`...»

A mesma fonte indica que a palavra elefante está atestada desde o século XIV, aliá, desde princípios do século XVII, e elefanta, em 1844. Estas datações parecem confirmar aliá como palavra mais antiga que elefanta, apesar de a primeira ter uso muito restrito ou nulo na atualidade (cf. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa; o Corpus do Português de Mark Davies e Michael Ferreira não faculta qualquer ocorrência, o mesmo se verificando nos corpora da Linguateca).