Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como é feita a divisão silábica de ideia?

Resposta:

Assim: i.dei.a

Contudo, na translineação, não se pode deixar sozinho o i inical nem o a final, pelo que, na prática, não se divide esta palavra.

Pergunta:

No verso «Por mais bela que seja cada coisa», em que grau se encontra o adjetivo bela?

Resposta:

Nessa construção concessiva, não se costuma considerar que o adjetivo se encontre num grau particular – cf. Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, pág. 601/602, e Evanildo Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, 2002, p. 497 – neste até se prevê a eliminação dos advérbios mais e muito: «Por bela que seja cada coisa». De qualquer modo, se ocorrer com mais é legítimo analisar «mais bela» como comparativo de superioridade, subentendendo-se o termo de comparação («Por mais bela que seja cada coisa do que outra realidade»). Com muito («Por muito bela que seja...»), a construção corresponde ao superlativo absoluto analítico.

Pergunta:

Gostaria que me confirmassem que não incorro em erro ao escrever «na margem sul do Tejo». A palavra margem, substantivo comum, nunca se escreveria com maiúscula, o sul não é utilizado em modo absoluto por isso, segundo o novo Acordo, é com minúscula, e Tejo sempre com maiúscula por ser um nome próprio. Estou certa?

Agradeço muitíssimo o vosso auxílio.

Resposta:

O que apresenta está correto para referir uma determinada área em relação ao rio: «vivo na margem sul do Tejo». No entanto, falando da região a sul de Lisboa, para lá do Tejo, é legítimo o uso de maiúsculas iniciais (muito embora estas não sejam obrigatórias), dado que se trata de uma sub-região que adquiriu identidade própria na Grande Lisboa: «vivo na Margem Sul.» Recorde-se que outra expressão designativa desta região é Outra Banda, também grafada com maiúsculas iniciais, de acordo com Rebelo Gonçalves, Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (1947, pág. 214 e 295).

Pergunta:

Qual o adjetivo do nome tradução? Por exemplo, «estratégias de tradução» ou «estratégias tradutórias/tradutivas/traducionais/translatórias/tradutológicas»?

Resposta:

O termo tradutológico está atestado em dicionário (Dicionário Houaiss, s. v. -duz-) e ocorre em textos especializados. A expressão «estratégias tradutológicas» é, portanto, legítima. Já a palavra tradutório não ocorre dicionarizada, mas é usada em investigação, pelo menos, em trabalhos produzidos nos meio académicos brasileiro e português, como atestam dois títulos – "Estratégias para o processo tradutório", "Refrações na bidirecionalidade tradutória inglês ↔ português",  – e uma tese de mestrado, que, apesar de optar por «estratégias de tradução» no título (Esbatendo o tabu: estratégias de tradução para legendagem em Portugal, Universidade Nova de Lisboa), apresenta depois expressões como «problemas tradutórios» e «estratégias tradutórias».

Quanto às outras opções apresentadas, não encontrei atestações de "tradutivo", "translatório", nem mesmo com o significado de «relativo à tradução». Assinalo, porém, o registo de traducional, não no sentido pretendido, mas na aceção de «relativo a fenómeno que ocorre durante o processo de tradução» (cf. Dicionário Houaiss).

Em suma, tradutológico e tradutório são escolhas adequadas para vei...

Pergunta:

No Largo de S. Domingos, em frente da Igreja de S. Domingos, em Lisboa, existe uma inscrição no chão a fazer uma referência a um massacre em que as vítimas foram judeus. Reza a inscrição: «Tributo da cidade de Lisboa às vítimas do massacre judaico de 19 de Abril de 1506.» Pergunta: foram os judeus que massacraram, ou foram os judeus que foram massacrados? Não teria a frase de estar escrita da seguinta forma: «Tributo da cidade de Lisboa às vítimas judaicas do massacre de 19 de Abril de 1506»?

Muito obrigado.

Resposta:

A redação proposta teria sido mais adequada, uma vez que, como demonstra o consulente de forma certeira, «massacre judaico» é uma expressão ambígua. Com efeito, pressupondo o verbo massacrar, que tem sujeito e complemento direto («alguém massacra alguém»), o substantivo massacre pode ocorrer com um complemento suscetível de tanto remeter para o autor do massacre como para a sua vítima; tal complemento pode ser expresso por um adjetivo relacional como no exemplo em questão – judaico. O contexto e a informação enciclopédica levam-nos a favorecer mais uma leitura do que outra: se falarmos do Portugal quinhentista, da Rússia dos pogroms ou da Alemanha nazi, a expressão «o massacre dos judeus»  refere-se inevitavelmente a vítimas de nação e confissão judaicas. Mas, se se atender ao conflito israelo-árabe a partir de 1948, e mesmo sabendo que muitos judeus continuam a ser vítimas, já é mais provável que outros judeus passem a ser autores de massacres.

Seja como for, o substantivo massacre também aceita um segundo complemento, introduzido pela preposição por e de valor agentivo, que desambigua tudo, como se ilustra em «o massacre dos judeus pelos cristãos de Lisboa». Neste exemplo, não restam dúvidas de que, mesmo que se faça a substituição de «dos judeus» por «judaico» («massacre judaico»), foram os judeus as vítimas, e não os lisboetas que iam à missa.

 Cf.