Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber exemplos de adjetivos uniformes tais como o adjetivo simples.

Resposta:

Não são muitos os adjetivos invariáveis tanto em número como em género: além de simples, temos reles, isósceles e uma série de adjetivos terminados em -as, frequentes no registo informal e normalmente usados depreciativamente, como medricas, «medroso», ou piegas, «que se lamenta demasiado» (cf. Dicionário Priebram da Língua Portuguesa). Certos adjetivos, encarados ora como compostos ora como derivados prefixados, podem também não fletir em número: multiúsos (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa; grafia registada também no Vocabulário Ortográfico Atualizado da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa, e tendo em conta o modelo de miúdo e fiúza, preferível a multiusos, proposta por outros vocabulários ortográficos). Também palavras mais consensualmente analisadas como derivadas por prefixação não variam nem em género nem em número; p. ex., antirrugas («creme/máscara antirrugas»). Finalmente, refira-se que os adjetivos compostos referentes a cores «[...] são invariáveis quando o segundo elemento da composição é um substantivo: uniformes verde-oliva; saias azul-ferrete; canários amarelo-ouro; blusas vermelho-sangue.» (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 253).

Pergunta:

Gostaria de saber que grafia usar quando me refiro às capitais da República da Moldávia e da Transdniéstria (República Moldava Transdniestriana)? No caso da capital moldava, devo usar "Quixinau", "Quichinau" (que me parece errada, tendo em conta o que o som do ş em romeno/moldavo é /ʃ/ e não /tʃ/), Chişinău ou "Chisinau" (sem diacríticos)? E quanto à forma russa Кишинёв (Kishinev? Quixineve?) Devemos considerá-la desatualizada? Quanto à capital do Estado com reconhecimento internacional limitado da Transdniéstria? Será Tiraspol, ou Tiráspol, com acento?

Muito obrigado pelo esclarecimento.

Resposta:

A capital da Moldávia (ou República da Moldova, para efeitos protocolares, segundo o Código de Redação Interinstitucional – CRI – da União Europeia para a língua portuguesa), já tem, em português, a forma Quichinau (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Porto Editora, na versão impressa, e CRI), adaptação do romeno Chişinău. Assinale-se, no entanto, que a Infopédia apresenta a forma Chisinau, sem os diacríticos do romeno, mas que pressupõe a leitura de ch como se faz em romeno, isto é, como o valor de [k].

É verdade que, do ponto de vista filológico, faria mais sentido escrever "Quixinau", porque x é tradicionalmente a letra que representa a consoante fricativa pré-palatal surda [ʃ], e não ch, que se reserva para a transliteração de grafemas representantes da consoante africada surda [tʃ]. No entanto, a forma Quichinau justifica-se pela desvantagem de o grafema x ter várias leituras e de o uso brasileiro de tch (tcheco, preferida a checo) deixar implícito o reconhecimento de ch como representação de [ʃ].

Refira-se ainda que a forma russa não conseguiu na atualidade ser a base da forma portuguesa, pelo que não se trata de uma questão de estar ou não desatualizada. Mas, mesmo que se considerasse tal forma, nem "Quixineve" nem "Kishinev" pareceriam boas opções em português: a segunda pelo aspecto gráfico, e a primeira por não corresponder à pronúncia russa, que, transcrita ao alfabeto latino e conforme as regras ortográficas da nossa língua, daria "Quichiniove" (ou "Quixioniove"), com ditongo e

Pergunta:

Na expressão «a mais bonita», qual a categoria de «a»?

Resposta:

A Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, classifica esse a como artigo definido (pág. 261):

«O [grau] SUPERLATIVO RELATIVO é sempre analítico.

O DE SUPERIORIDADE forma-se pela anteposição do artigo definido ao comparativo de superioridade:

Este aluno é o mais estudioso do colégio. [...]

O DE INFERIORIDADE forma-se pela anteposição do artigo definido ao comparativo de inferioridade:

Este aluno é o menos estudioso do colégio. [...]»

Pergunta:

Tendo em consideração que o novo acordo ortográfico não fez alterações relativamente às regras da divisão silábica (conforme Base XX: Da Divisão Silábica), como devemos entender que a preciosa ferramenta, da responsabilidade do ILTEC: o Dicionário da divisão silábica, do Portal da Língua Portuguesa, indique como divisão silábica das palavras carro, assar, pássaro: “car•ro; as•sar; pás•sa•ro”? Por sua vez, o dicionário académico da Língua Portuguesa, da Porto Editora, é vendido com a indicação na sua capa de que contém a divisão silábica das palavras (mais precisamente: «Acordo Ortográfico; Divisão Silábica; Dicionário Terminológico»). No entanto, em palavras com consoante dupla (ss/rr), a palavra é dividida, seguindo as regras da translineação e não as da "soletração". Cito alguns exemplos: "car-ro"; "as-sar"; "as-sa-do"… A partir dos exemplos apresentados, questiono: afinal, o que o Portal da Língua Portuguesa apresenta é a translineação das palavras, ou a sua divisão silábica? E o referido dicionário?

Obrigada, antecipadamente, pela atenção que vos merecerá a minha dúvida.

Resposta:

O Acordo Ortográfico de 1990 (Base XX) mantém os preceitos enunciados pelo Acordo de 1945 (Base XLVIII), referindo-se à divisão silábica não na perspetiva linguística, mas, sim, na perspetiva da representação gráfica, a qual inclui as regras da translineação. Neste contexto, os exemplos de "car-ro" ou "as-sar" ilustram situações de translineação, que, como se disse, estão incluídas nas secções dedicadas à (impropriamente chamada) divisão silábica nos referidos documentos.

O que o Vocabulário Ortográfico do Português no Portal da Língua e o dicionário em causa apresentam são procedimentos de translineação.

Pergunta:

As palavras com prefixo multi-, como multiusuário, multicelular, multicor, apesar de significarem «múltiplos usuários», «múltiplas células», «múltiplas cores», aparecem no dicionário no singular e são adjetivos. Entretanto, elas concordam em número com o substantivo que acompanham, ou seja, o correto seria dizer «sistema multiusuário» e «sistemas multiusuários»?

Resposta:

Os plurais de multicelular e multicor não oferecem problemas: multicelulares e multicores (cf. Dicionário Houaiss). Já a flexão em género e número de multiusuário é caso diferente, porque ainda não estabilizou, mesmo nos dicionários.

Com efeito, o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa regista a forma multiusuário como adjetivo dos dois géneros e dois números, o que significa que na prática a palavra é invariável («sistema/sistemas multiusuário»). No Dicionário Houaiss, multiusuário figura como adjetivo dos dois géneros, mas, sem registo de informação sobre flexão em número, depreende-se que pode pluralizar: «sistema multisuário», mas «sistemas multiusuários». No Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa o adjetivo tem flexão em género e número (multiusuário, multiusuária, multiusuários, multiusuárias). O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Porto Editora apresenta este adjetivo sem o caracterizar quanto à flexão, o que, de acordo com as convenções da obra em referência, significa que a palavra se flexiona.

Sendo assim, e apesar de toda esta variação, não se me afigura ilegítimo aceitar o plural de multiusuário, pelo que é possível fazê-lo concordar com sistemas e dizer ou escrever «sistemas mulitusuários».