Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Em nosso idioma, é comum tratar um homem, ou a ele se referir, pelo seu sobrenome e não pelo prenome. Deste modo, podemos dizer, por exemplo: «O Meneses comprou o carro que tanto queria.»

Observo, entretanto, que o mesmo não acontece em relação às mulheres, de modo que soaria estranho referir-se a uma mulher dizendo algo como isto: «A Brandão passou no vestibular.»

Sei que às vezes se diz em relação a um casal, por exemplo, «senhor e senhora Ribeiro de Sá», sendo ambos os sobrenomes do marido. Mas, se se tratar de mulher solteira, seria correto interpelá-la, ou a ela se referir, pelo seu sobrenome: «Carvalho, vem passear conosco»?

A minha dúvida a respeito do tema aqui ventilado se acendeu porque tenho ouvido algumas pessoas aqui no Brasil, em casos raros, interpelar mulheres, ou a elas se referir, pelos seus sobrenomes.

Por favor, a sempre confiável sentença do Ciberdúvidas. Muito obrigado.

Resposta:

De facto, na língua portuguesa não se emprega geralmente o apelido/sobrenome para referir ou interpelar um indivíduo do sexo feminino. O uso que está enraizado é usar os vocábulos dona e doutora (cujas abreviaturas são, respetivamente, D. e Dra.), seguidos do nome próprio (primeiro nome) da mulher que é assim referida ou interpelada:

(i) «Bom dia, D./Dra. Amélia.»

Certas obras registam o uso de menina em Portugal ou senhorita no Brasil como título a atribuir a mulheres jovens e solteiras (cf. Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, edições João Sá da Costa, 1984, pág. 294). A reaidade é que ambas as formas estão hoje em desuso, mas, a ocorrerem, associam-se preferencialmente ao nome próprio.

Observe-se, no entanto, que, pelo menos em Portugal, a comunicação social tem usado senhora com apelidos/sobrenomes para referir mulheres que ocupam o cargo de primeiro-ministro:

(ii) «a Sra. Merkel»

(iii) «a Sra. Thatcher»

Trata-se de um uso controverso, tradução literal dos títulos Frau, em alemão, e Mrs. (Mistress), em inglês. Tem também por vezes certo tom irónico, que muitos jornalistas evitam usando o nome próprio das figuras em referência:

(iv) Angela Merkel, Margaret Thatcher

Já em relação a um homem, formalmente usa-se o apelido/sobrenome («o sr. Guerreiro»), mas informalmente também é possível ocorrem expressões como «sr. António» (p. ex., em referência a um homem que se chama António Guerreiro).

Pergunta:

Existe no léxico português o vocábulo ratelha?...

No caso positivo, qual o seu significado?....

Consultados variadíssimos dicionários e algumas obras de investigadores do léxico português, não lhe encontrei qualquer referência, mas sei que, pelo menos no meio piscatório de Esposende, chamavam "ratelhas" às crianças que "ratavam" o pão e as malgas da sopa, isto é, que mordiscavam a broa e/ou comiam a parte superior da ração de caldo dos outros, tirando, pois, o proveito, na esperança de que o abuso passasse despercebido.

Grato.

Resposta:

A própria descrição do consulente é prova de que ratelha existe ou existiu e é ou foi palavra usada entre falantes do meio piscatório de uma localidade do Norte de Portugal. É verdade que não encontro a palavra atestada, mas, como já se sabe, é inútil acreditar que palavras corretas são as que estão registadas no dicionário, e as que não se encontram atestadas estão erradas. Como diz Margarita Correia, em Os Dicionários Portugueses (Lisboa, Editorial Caminho, 2009, pág. 89), «[o] facto de uma palavra não se encontrar no dicionário não significa  [...] necessariamente que ela não exista, mas apenas que ela pode ter ficado de fora deliberadamente, por lapso ou por mero esquecimento».

Convém assinalar, portanto, o registo de vocábulos que acusticamente podem explicar um pouco a forma ratelha: refiro-me a rateiro, «que ou o que caça ratos (diz-se de gato ou cão)» (Dicionário Houaiss; ver também o Grande Dicionário da Língua Portuguesa de José Pedro Machado), e rateira, que, além de significar «prostituta» (idem), pode significar ainda «gatuno de mosco [= roubo engenhoso], que rouba perfurando paredes, pavimentos ou tectos» (Guilherme Augusto Simões, Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, Lisboa, Edições Dom Quixote, 1993). Acrescente-se que, no galego, rateira pode também ser uma adjetivo aplicado à «pessoa que rouba coisas de pouco valor» (dicionário da Real Academia Galega). Dada a afinidade do prtuguês setentrional com o galego, não é de descartar a possibilidade de ratelha vir de rateira "à galega", tendo sofrido alteração talvez por analogia com palavras como aselha, «desastrado», e balhelha, «aparvalhado».

Pergunta:

Segundo as novas regras ortográficas fixadas no novo Acordo, deve escrever-se pró-ativo, ou proativo?

Obrigado pela atenção.

Resposta:

No português europeu, dado a palavra incluir o prefixo tónico pró-, deve empregar-se o hífen: pró-ativo. A consulta de qualquer vocabulário ortográfico publicado em Portugal e que aplique o Acordo Ortográfico de 1990, mais especificamente a Base XVI, 1.º f), confirma esta grafia. Assinale-se que em Portugal, mesmo antes da aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, já se escrevia pró-activo, com c mudo.

No Brasil, aceitam-se duas formas: proativo e pró-ativo (cf. edição de 2009 do Dicionário Houaiss e Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras). Na variedade brasileira, a pronúncia da variante tónica do prefixo não é exatamente igual à da variante átona: a primeira terá o aberto, e a segunda o fechado. No português europeu, pró-ativo permite representar com maior fidelidade a pronúncia dos falantes portugueses, entre os quais o o de pró é aberto ("pró-ativa"), e não reduzido a u, como poderia sugerir proativo, forma que, como se disse, não se regista nesta variedade do português (cf. proeminente e promover, em que pro é pronunciado "pru" em português europeu).

Pergunta:

Sempre tenho dúvidas em relação a construções com os verbos assegurar, garantir e certificar, especialmente quando precedidos do verbo dever.

«Deve-se assegurar que os programas são compatíveis», ou «deve-se assegurar que os programas sejam compatíves»?

«Dessa forma, garante-se que isso será feito», ou «garante-se que isso seja feito»?

«Certifique-se de que a avaliação seja feita», ou «de que a avaliação será feita»?

Indicativo, ou subjuntivo?

Obrigada!

Resposta:

Em todas as orações subordinadas completivas selecionadas pelos verbos em questão, é gramatical o uso do modo indicativo. Quanto à possibilidade do subjuntivo (ou conjuntivo), existe alguma variação.

Assim, a respeito de assegurar, Winfried Busse, no Dicionário Sintático de Verbos Portugueses, atesta o uso tanto do modo indicativo como do modo subjuntivo com o verbo assegurar:

«Assegurei-me de que o carro estava em ordem e partiu.»
«Assegurou-se de que ele fizesse o trabalho.»
«Assegurou-se de que não sonhava.»

Este mesmo autor apresenta o verbo garantir precedido pelo verbo modal poder e seguido de oração completiva cujo verbo se encontra no subjuntivo:

«(...) ninguém pode garantir que Moscovo dê o seu aval (...).»

Também o Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses¹ apresenta como abonação uma frase de polaridade negativa em que o verbo assegurar tem por complemento uma oração finita com o verbo no modo subjuntivo:

«O escadote não assegurava de que o rapaz não caísse.»²

Finalmente, a respeito de certificar(-se), não se encontram nas fontes consultadas ocorrências de completivas finitas com o verbo no subjuntivo, mas a sinonímia deste com assegurar(-se) sugere que este modo é igualmente aceitável.

Desta forma, ainda que o modo indicativo possa ocorrer com mais frequência nas orações completivas destes três verbos, não podemos descartar contextos em que os mesmos peçam o modo subjuntivo (conjuntivo em Portugal) e sejam aceites de um ponto de vista normativo...

Pergunta:

Segundo as novas regras ortográficas fixadas no novo Acordo, deve escrever-se pró-ativo, ou proativo?

Obrigado pela atenção.

Resposta:

No português europeu, dado a palavra incluir o prefixo tónico pró-, deve empregar-se o hífen: pró-ativo. A consulta de qualquer vocabulário ortográfico publicado em Portugal e que aplique o Acordo Ortográfico de 1990, mais especificamente a Base XVI, 1.º f), confirma esta grafia. Assinale-se que em Portugal, mesmo antes da aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, já se escrevia pró-activo, com c mudo.

No Brasil, aceitam-se duas formas: proativo e pró-ativo (cf. edição de 2009 do Dicionário Houaiss e Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras). Na variedade brasileira, a pronúncia da variante tónica do prefixo não é exatamente igual à da variante átona: a primeira terá o aberto, e a segunda o fechado. No português europeu, pró-ativo permite representar com maior fidelidade a pronúncia dos falantes portugueses, entre os quais o o de pró é aberto ("pró-ativa"), e não reduzido a u, como poderia sugerir proativo, forma que, como se disse, não se regista nesta variedade do português (cf. proeminente e promover, em que pro é pronunciado "pru" em português europeu).