Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na minha aldeia há uma comida típica que na oralidade me soa a "borrlhão, burlhão"(o r soa a "rr"). Na zona de Oleiros chamam maranho, e só difere do "burlhão" no ingrediente serpão, em vez de hortelã. Haverá uma maneira correcta de escrever esta palavra?

Resposta:

O nome da especialidade que refere escreve-se borrelhão e está assim registado no Dicionário de Falares das Beiras (Âncora Ediotra e Edições Colibri, 2010), de Vítor Fernando Barros. Numa página da Internet, ocorre este vocábulo, com a respetiva definição:

«A especialidade da casa é o [b]orrelhão, que é um prato que por ser muito trabalhoso costuma ser servido apenas nos casamentos e dias de festa. Faz-se com carne de cabrito temperada e cozinhada em pequenas bolsas feitas com o estômago do animal.»

Pergunta:

Existe, na língua portuguesa, uma palavra que permita traduzir a ideia do que é um whistleblower que não esteja já conotada com outras figuras ou realidades (denunciante, informador, p. ex.)?

Obrigado.

Resposta:

Em inglês, um whistleblower é alguém que alerta para a existência de irregularidades na gestão e no funcionamento de empresas ou instituições. Literalmente interpretável como «soprador de apito», whistleblower tem origens na gíria, mas acabou por adquirir o significado que tem atualmente por extensão metafórica. Não tem por enquanto em português um termo equivalente de uso estável.

Com efeito, este anglicismo pode realmente ser traduzido por denunciante ou informador e por outras palavras sinónimas como denunciador, delator, alcaguete ou caguete¹ (Brasil). Note-se, porém, que os substantivos denunciante e informador estão fortemente conotados em Portugal com situações históricas de repressão política (por exemplo, quando se fala do Estado Novo). Whistleblower, pelo contrário, tem conotação positiva nas culturas anglo-saxónicas, porque se refere (cf. Oxford Dictionary of English) a alguém cujo propósito é, em nome da justiça, tornar conhecidas as ilegalidades praticadas por certas organizações. Não parece, portanto, ter associada a ideia de traição contida nas palavras portuguesas, a que não é estranha a própria palavra denúncia. Sendo assim, há tradutores que optam pela expressão «autor da denúncia» (cf. sítio de tradução

Pergunta:

Diz-se «camarões ao molho de languedoc», ou «camarões ao molho de Languedoc»?

Obrigado.

Resposta:

Dado Languedoc ser o nome de uma região do Sul da França e a expressão «molho de Languedoc» não exigir hífenes, deve escrever-se este nome com maiúscula inicial.

Observe-se que se recomenda o uso de artigo definido com Languedoc: «o Languedoc» (cf. Dicionário Houaiss, s. v. "languedociano"; destaque nosso):

«[languedociano] diz-se da região francesa do Languedoc ou o que é seu natural ou habitante.»

Pergunta:

Como se diz: "matabicho" (ou será com hífen?), ou "pequeno-almoço"? E também: "matabichar", ou "almoçar"?

Longa vida ao Ciberdúvidas.

Resposta:

Usa-se pequeno-almoço em Portugal, café da manhã no Brasil e mata-bicho (com hífen) em Angola (cf. Clenir Louceiro, Emília Ferreira e Elizabeth Ceita Vera Cruz, 7 Vozes, Lisboa, Lidel, 1997).¹

Quanto ao verbo que significa «tomar o mata-bicho», ou «tomar o pequeno-almoço/café da manhã», registam-se duas grafias: mata-bichar (Vocabulário Ortográfico do Português, do ILTEC) e matabichar (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora, e Dicionário Houaiss). Óscar Ribas usa a forma sem hífen, matabichar, na definição da entrada matar o bicho no Dicionário de Angolanismos (Guimarães, Editora Contemporânea, 1997):

«Matar o bicho, l[ocução] v[erbal]: Tomar a primeira refeição da manhã. Comer o pequeno-almoço. O mesmo que matabichar.

F[orma] port[uguesa]»

¹ Na obra consultada escreve-se "matabicho", mas é preferível mata-bicho, mantendo preceitos ortográficos que o acordo de 1990 não alterou. Este substantivo também se regista no português da Guiné-Bissau, no de Moçambique e no de São Tomé e Príncipe.

N.E. − Sobre a expressão matar o bicho e...

Pergunta:

Joado equivale a «assanhado», «teimoso»? O termo em causa existe?

Grato.

Resposta:

Escreve-se juado o adjetivo em questão, conforme o registo de Óscar Ribas no seu Dicionário de Regionalismos Angolanos (Guimarães, Contemporânea Editora, 1997):

«Juado, adj. Que procede aereamente. Que esquece facilmente o que se lhe diz. Irreflectido. Insensato.

Do quimb[undo] kujuuala»*

* Manteve-se a ortografia original.