Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de obter o vosso auxílio na seguinte dúvida: qual é a palavra que deu origem a metropolitano?

Questiono porque creio ser a palavra metrópole, mas outros acreditam ser a palavra metro.

Fica desde já o meu agradecimento pelo esclarecimento que possam prestar.

Resposta:

Do ponto de vista do comportamento morfológico do português atual, o sistema de transporte conhecido como metropolitano resulta da conversão do adjetivo metropolitano, que deriva do radical de metrópole, metropol-. No entanto, a análise de metropolitano tem também de ser enquadrada por uma perspetiva histórica, como demonstra uma nota etimológica do Dicionário Houaiss (s. v. metropolitano; desenvolveram-se as abreviaturas):

«latim metropolitānus, a, um, "da metrópole", adjetivo também ligado a metropŏlis, is < gr. mētrópolis, "cidade-mãe, metrópole, cidade natal", usado na administração eclesiástica, e, a partir do século XVIII, com acepção urbana atual; para a acepção sistema de transporte urbano, compare metrô

A forma metro (ou metrô no Brasil) é uma truncação de metropolitano, motivada por um uso homólogo verificado em francês (idem; abreviaturas desenvolvidas):

«francês métro (1891) [com o mesmo significado], abreviatura substantivada do adjetivo francês métropolitain no sintagma chemin de fer métropolitain (1874), "caminho de ferro subterrâneo metropolitano", na acepção "caminho de ferro urbano" é empréstimo ao inglês norte-americano metropolitan (1867), "metropolitano", e este do latim tardio metropolitānus, a, um, "de uma capital", literalmente "de uma cidade-matriz, mãe", derivado de metropŏlis, is "metrópole" < mêtra, as "matriz, útero", e pólis, ēos "cidade"; (d1920) ocorre no Brasil como metrô e em Portugal como metro...

Pergunta:

De acordo com o Dicionário Terminológico (DT), as orações subordinadas substantivas podem ser completivas ou relativas (sem antecedente), tendo sido colocada de parte a designação de interrogativas indiretas para orações do tipo:

«(Perguntei-lhe) porque esperava por mim/quando chegaria a casa.»

Também é referido no DT que as completivas podem ser introduzidas pelas conjunções que/para/se e as relativas sem antecedente por pronomes relativos. Como as orações dadas atrás como exemplo não se enquadram em nenhuma destas tipologias, gostaria de saber como é que devemos, então, classificá-las.

Obrigada.

Resposta:

As interrogativas indiretas são mencionadas no Dicionário Terminológico (DT), no verbete relativo ao tipo de frase interrogativa (domínio B.4.3.):

«[...] as interrogativas indirectas (iv) são subordinadas substantivas completivas. [Oração subordinada substantiva completiva] [...]

Exemplos [...]

(iv) O João perguntou [se comeste a sopa].»

Quanto ao que se diz no DT sobre como se introduzem as completivas (B. 4.4.), verifica-se que na informação aí disponível falta referir que tais orações podem ser introduzidas também por palavras de outras classes, por exemplo, por advérbios interrogativos:

1) «Perguntei-lhe porque esperava.»

2) «Não sei quando chega.»

Em 1) e 2) temos interrogativas parciais que se realizam como orações subordinadas completivas.

Observe-se, porém, que na Gramática do Português (organização de Eduardo B. Paiva Raposo et al., da Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, págs. 1835/1836) se aponta exatamente este facto:

«[A]s orações interrogativas subordinadas parciais caracterizam-se pelo facto de serem introduzidas [...] por um sintagma que contém obrigatoriamente uma palavra interrogativa, frequentemente designada "palavra qu-" em virtude da sua forma. Este pode um pronome [ii], um determinante [iii], um quantificador [iv] ou um advérbio [v] [:]


(ii) Ando a averiguar [quem é o responsável por este orçamento].
(iii) Não me disseram [que documentos eles aprovaram na reunião].
(iv) Não sei [a quantas lojas eles foram].
(v) Pergun...

Pergunta:

Qual das expressões é a mais correcta?

«Estamos confiantes que podemos contribuir para um mundo melhor», ou «estamos confiantes de que podemos contribuir para um mundo melhor»?

Obrigado.

Resposta:

O uso mais correto deste adjetivo é com a preposição em, que igualmente ocorre com verbo correspondente, confiar, o qual rege a mesma preposição:

(1) «Estamos confiantes em que podemos contribuir para um mundo melhor.»

Contudo, admite-se também a preposição de:

«Estamos confiantes de que podemos contribuir para um mundo melhor.»

Note-se, mesmo assim, que, à semelhança do que ocorre com muitas regências verbais, a preposição pode ser omitida tanto no caso do adjetivo como no do verbo correspondente:

(2) «Confiamos que podemos contribuir para um mundo melhor.»

(3) «Estamos confiantes que podemos contribuir para um mundo melhor.»

A possibilidade de, antes de oração, se omitir a preposição regida por um verbo é comentada na Gramática do Português (organização de Eduardo B. Paiva Raposo et al., Fundação Calouste Gulbenkian, págs. 1525/1526) do seguinte modo:

«São quatro as preposições regidas por verbos que admitem complementos oracionais: a, com, em e por. [...]

Com possíveis variações nos juízos de gramaticalidade, a omissão da preposição é possível [...], e até preferida nalguns casos, p. e., no que respeita às preposições com e em, sendo, em contrapartida, menos aceitável (para alguns falantes) com a preposição a, o que assinalamos com "??" em 56(a) [...]:

(56) a. ??O general anuiu que o Estado-Maior enviasse mais tropas.

   &#x...

Pergunta:

Na sequência da vossa explicação prévia acerca da palavra depleção, gostaría de referir que esta palavra é também bastante utilizada no domínio da gestão ambiental, nomeadamente como «depleção de recursos». Numa pesquisa antiga, que agora não me é possível identificar, encontrei a seguinte definição: «redução ou esgotamento de um recurso pelo seu consumo contínuo e mais rápido que a sua reposição». Será correta esta definição?

Resposta:

A palavra depleção está a ser usada em lugar de esgotamento, ao que parece por influência do inglês depletion. Esse uso é discutível, pelo menos, nos registos não especializados, uma vez que já existe uma palavra com o mesmo significado. No domínio da gestão ambiental, será certamente um termo especializado e, como tal, suscetível de maior tolerância. Mesmo assim, e prevendo que as preocupações da sociedade com o meio ambiente levem à popularização da palavra, pareceria mais prudente recorrer ao vocábulo de sempre, esgotamento.

Pergunta:

Mesmo não sendo do campo de Letras, pertenço à Administração, tenho grande interesse no estudo linguístico.

Entretanto tem uma questão que já apareceu aqui várias vezes, mas ainda não ficou clara para mim, que seria a variação linguística. Compreendo que uma língua é viva, mutável e adaptável. Antigamente escrevíamos "pharmacia", "theatro", entre outros. O que ainda não sou capaz de compreender é quando um erro "é um erro" e quando ocorre um caso de variação. Ou todo erro "evolui" para uma variação? Por exemplo, aqui no Brasil é comum dizer "framengo", "probrema", "é nós"... Por ser comum, seria um fenômeno de variação que no futuro pode "concorrer" a norma culta?

Finalizando, uma pergunta que não se cala, devo corrigir erros e desvios? Corrigindo não estaria prejudicando a evolução da própria?

Desde já, minhas saudações à equipe!

Resposta:

Toda e qualquer língua tende à variação. Esta situação é travada pela elaboração de uma norma-padrão, resultado de um processo histórico que tem fins político-administrativos e geralmente faz parte da afirmação de um Estado. É a norma-padrão que define como erro a variação ou o desvio em relação às formas-padrão, isto é, às formas supostamente conhecidas por toda uma comunidade de falantes e por estes tomadas como modelo de expressão. Casos como "framengo" ou "probrema" não são recentes e parecem continuar uma tendência generalizadora da língua que não é aceite pela norma. Por exemplo, sabe-se que prato evoluiu de uma forma latina hipotética *plattus por intermédio do francês plat (Dicionário Houaiss; cf. espanhol plato); a norma acolheu a forma prato, mas já não aceitou outras formas que davam continuação à tendência de a consoante líquida lateral [l] passar à vibrante simples [ɾ] (o "r" de caro) após consoante oclusiva: problema > "probrema") ou fricativa (flamengo > "framengo"). A avaliação e a rejeição destas formas devem-se a razões relacionadas com dinâmicas sociais, raramente claras, e são consideradas por sectores da população como legítimas (por muito que a maioria da população não faça assim).

Quando se trata de escrever textos ou fazer intervenções oralmente em situação formal, é óbvio que devemos obedecer à norma, por muito convencional e arbitrária que esta seja. Trata-se de um produto histórico que acabou por ganhar projeção social e alcançar o estatuto de modelo para as práticas linguísticas prestigiadas. Contudo, convém igualmente ter consciência de que os...