Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Ao estudar umas questões sobre a gramática portuguesa deparei-me com a seguinte frase: «(...) em final de sílaba, o [s] implosivo torna-se palatal (...).»

Podem esclarecer-me qual é a diferença entre uma consoante implosiva e uma consoante palatal?

Obrigada e continuem o excelente trabalho.

Resposta:

Não é que as duas classificações (consoante implosiva e consoante palatal) se oponham. O que se passa é que o conceito de consoante implosiva tem que ver com o contexto de produção da consoante (no caso, a fechar sílaba), enquanto palatal se relaciona com o ponto de articulação (o palato). Sendo assim:

– Diz-se que é implosiva a consoante que fecha sílaba antes de outra consoante ou ocorre em fronteira de palavra (ou seja, antes de fim de palavra), como acontece com o segmento fónico representado por s de pasta ou o sufixo -s do plural em gatos.

– O que nos diz a frase em causa é que, nessas posições, o s se torna igual ou praticamente igual à consoante que se articula e ouve, por exemplo em chave ou baixo. A esta consoante, como ao segmento associado ao j de janela, os estudos de fonologia e fonética chamam palatal (cf. Dicionário Terminológico) ou pré-palatal (cf. "Sobre a consoante [Ʒ] (janela, gente)").

Pergunta:

Quanto à formação, como devo classificar as palavras quispo ("kispo") ou "gillette". Poderão ser consideradas epónimos?

Resposta:

No contexto da descrição gramatical portuguesa – pelo menos, nas últimas três décadas –, considera-se que são casos de derivação imprópria (ver Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, p. 10) ou de conversão (cf. Margarita Correia e Lúcia San Payo de Lemos, Inovação Lexical em Português, Edições Colibri, 2005, p. 36).

Note-se, além disso, que, para falar-se de epónimos acerca dos casos em questão, deverá dizer-se que gillette ou gilete é que se relaciona tipicamente com esse conceito, visto que Gillette é o nome do inventor deste tipo de lâmina. Kispo pode também enquadrar-se entre os epónimos, visto ser nome comercial que, em Portugal, se tornou nome de uma peça de vestuário, que passou ao léxico comum como quispo. De qualquer modo, é de sublinhar que epónimo se refere à pessoa ou à coisa que dá nome a outra, e não o contrário; exemplo (do Dicionário Houaiss, s. v. epônimo): «Atena é o epónimo da cidade de Atenas.»

 

N.E – Alguns exemplos mais conhecidos de epónimos:...

Pergunta:

Solicito a vossa preciosa colaboração no sentido de esclarecer a seguinte dúvida: na frase «não há nada de novo na história», a que classe de palavras pertence a palavra novo?

Obrigada pela colaboração.

Resposta:

Trata-se de um adjetivo numa construção que é semelhante a «algo de novo», conforme explica o Dicionário Houaiss: «por ter natureza de substantivo, o pronome algo nunca é usado junto de outro substantivo, podendo ser precedido de demonstrativo, e seguido de atributos: encontraste algo de interessante?; este livro tem aquele algo que se espera da boa literatura

Pergunta:

Porquê coliponense como gentílico para Leiria?

Resposta:

Crê-se que, na região de Leiria, se encontrava a cidade pré-romana e romana de Colipo. O gentílico de Leiria – que também pode ser leiriense – deriva desse antigo nome (ou, melhor, da forma colipon-: coliponense).

Pergunta:

Na expressão «franças e araganças», o que significa araganças? Referir-se-á ao antigo reino de Aragão?

Obrigado.

Resposta:

A forma Araganças só ocorre nessa expressão, por um lado, em alusão ao antigo reino de Aragão (atualmente região autonómica espanhola) e, por outro, como deturpação do próprio nome Aragão, de modo a fazer rima com França.*

Orlando Neves regista a expressão como variante de «Franças e Aleganças» no seu Dicionário de Expressões Correntes (Lisboa, Diário de Notícias, 2000), observando:

«Inicialmente com raízes bem antigas, a expressão usou-se em "andar por Franças e Araganças", ou seja, andar por terras longínquas. Se França se entende como o país além-Pirenéus, já parece que Aragança está aqui como deturpação, para efeitos de rima, de Aragão. O uso no plural supõe-se ser também um recurso rítmico. "Andar por Franças e Araganças", em tempos em que eram frequentes as guerras entre os dois países, correspondia ao sentido de longas distâncias e paragens. Findas as guerras, foi a expressão perdendo o inicial propósito e mudou para "coisas e loisas, mundos e fundos, este mundo e o outro". Mas Aquilino, passando-o para o singular, ainda a escreveu com o sentido primitivo em Filhas da Babilónia: "Pergunte-me, antes, o que fui fazer ao meu país. Sabe o quê? Vender umas terras que herdei, espremer a teta da vaquinha, como diz um irmão que lá tenho. A expressão é ridícula, mas traduz com felicidade o meu património, malbaratado por França e Aragança, bem magro, bem português. Aí tem!"»