Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como me dirijo por carta a um Padre? «Vossa Excelência» ou «Vossa Reverendíssima» ou outra?

Obrigada.

Resposta:

Segundo Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, p. 292), em geral, aplicam-se aos sacerdotes as formas de tratamento «Vossa Reverência» ou «Vossa Reverendíssima». Este uso continua válido como se pode comprovar por um exemplo de 2013 (Açoriano Oriental, 25 de fevereiro de 2013): «Com os meus mais respeitosos cumprimentos, resolvi dirigir a Vossa Reverência, Padre Nuno Maiato, esta carta aberta sobre afirmações que proferiu no programa da RTP/Açores “Estação de Serviço”, dizendo, nomeadamente, que aquilo que eu tinha dito “não era verdade”.»

Pergunta:

Gostaria de saber qual a grafia mais correcta: "Saraievo" ou "Sarajevo".

Obrigada.

Resposta:

Embora se use bastante a forma Sarajevo – basta consultar o artigo correspondente da Wikipédia em português –, a verdade é que ela é de origem estrangeira (bósnia). Em português, Saraievo é um dos nomes que a capital da Bósnia-Herzegovina pode ter atualmente.

Até aos anos 60 do século passado, existia uma forma portuguesa, fixada pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (1940) e retomada por Rebelo Gonçalves no seu Vocabulário da Língua Portuguesa (1966): Serajevo (com j de jardim e, de acordo com indicação ortoépica, com e fechado, como em cedo). No entanto, mais recentemente, o Código de Redação Interinstitucional, usado para o português na União Europeia, consigna a forma Saraievo, mais próxima foneticamente de Sarajevo (em bósnio e sérvio, o j soa como o i em português). Esta é também a forma que regista o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Porto Editora. Existem, portanto, duas formas em concorrência na norma portuguesa – Serajevo e Saraievo –, e ambas podem considerar-se corretas. Contudo, a forma Saraievo é que tem favor na atualidade.

Pergunta:

Alguns escritores têm vindo a trabalhar em dupla. A minha questão é a seguinte: na necessidade de pronunciar o nome do autor, por exemplo, Lars Kepler (pseudónimo de uma dupla de escritores de sucesso na Suécia: Alexander Ahndoril e Alexandra Coelho Ahndoril), devo usar o artigo definido no plural ou no singular? «Os Lars Kepler» ou «o Lars Kepler»? E para o caso de querer referir obra e autor, pode-se escrever/dizer «O Homem de Areia dos Lars Kepler» ou o correto será mesmo «de Lars Kepler»?

Grato pela vossa atenção.

Resposta:

Com o pseudónimo em questão, pode empregar-se o plural ou o singular, em função do que se tenha em mente: «os Lars Kepler» = «os escritores chamados Lars Kepler»; «o Lars Kepler» = «o par Lars Kepler». No singular, pode até não ocorrer o artigo definido, tal como se faz quando se refere formalmente um artista: «um livro de Lars Kepler».

Como se trata de uma situação pouco frequente no mundo da criação literária – um pseudónimo para dois escritores –, suponho que o uso possa decalcar o dos nomes de bandas musicais. Por exemplo, se para mencionar o grupo musical chamado Jethro Tull (1967-2014) – que vai buscar o nome a uma figura histórica (cf. informação em artigo da Wikipédia em inglês) – dizemos «os Jethro Tull», como se por esta denominação se fizesse referência aos músicos assim conhecidos, então, também diremos «os Lars Kepler». Tal não impede, porém, que também se use «o Jethro Tull», pressupondo a noção de «grupo», o que permite que também se legitime a expressão «o Lars Kepler», pressupondo a noção de «par».

Pergunta:

É correta a utilização de com + gerúndio? Por exemplo:

«Todo sete de setembro, a cavalaria desfilava por toda a cidade (de preferência, com o general xx cavalgando à frente de todos e acenando para o público).»

«Eu fazia lições todo dia, com minha mãe olhando para ver se eu estava fazendo tudo certo.»

Sei que as frases podem ser reescritas sem o com e o gerúndio, mas minha pergunta é se isso do jeito que está é aceitável.

Obrigada!

Resposta:

A construção que refere está correta. Encontra-se, por exemplo, atestada em autores da passagem do século XIX para o século XX, como o português Fialho de Almeida, que viveu entre 1857 e 1911 (oração gerundiva sublinhada): «Todas as umbreiras e cimos de janelas e portas, feitos d'entrançados de canastra, uma das engenhosas indústrias campestres da região, hoje perdida; móveis de pinho, sem tinta nem verniz, respeitando as formas tradicionais do escabelo e do tamborete de tripeça, com pinturas representando flores e animais, no pinho cru: à altura da cimalha, prateleiras com faianças portuguesas de Darque, Coimbra, Caldas e Lisboa [...]» (Corpus do Português).

Pergunta:

Por gentileza, me responda, citando a respectiva regra ortográfica, qual a escrita correta do gentílico de quem é natural da cidade de São Pedro da Aldeia: "aldeense" ou "aldeiense"?

Desde já, agradeço a colaboração!

Resposta:

A forma registada pelo Dicionário Houaiss é aldeense.* Esta forma é a mais correta e pressupõe considerar que o radical de aldeia é alde-, ao qual se associa o sufixo -ense. Daí aldeense. Não se trata, portanto, de um caso com incidência na ortografia, mas, sim, respeitante à formação de palavras. De notar que, noutras palavras derivadas, o i de aldeia também se perde: aldeão.

* É também a forma usada na página da prefeitura de São Pedro da Aldeia: «[...] a terra aldeense refletiu em sua epopeia, em seu pequeno microcosmos, as fases pelas quais passou o próprio Brasil.»