Carla Viana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Viana
Carla Viana
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Carla Viana é licenciada em Linguística e mestranda em Linguística Computacional pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

 

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Como saber se o segundo elemento do adjectivo composto verde-musgo, azul-marinho e azul-celeste é na realidade nome ou substantivo? Que exercícios ou técnicas podemos adoptar para chegar a conclusão ou explicar que se trata de verdadeiros nomes? E porquê chamar a esses compostos de adjectivos compostos? Para terminar, no composto castanho-claro, a que classe morfológica pertence o segundo elemento?

Resposta:

Em verde-musgo, a palavra musgo desempenha o papel de substantivo (a palavra musgo é sempre substantivo), e, em azul-marinho e azul-celeste, marinho e celeste são adjectivos porque acrescentam uma característica, uma extensão ao tipo de azul.

Segundo a Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, nos adjectivos compostos apenas o último elemento recebe a forma de plural, excepto os adjectivos referentes a cores, que são invariáveis quando o segundo elemento da composição é um substantivo.

Assim, em verde-musgo, o plural do adjectivo é verde-musgo, uma vez que a palavra musgo só pode ser substantivo. Os compostos azul-marinho e azul-celeste podem ser nomes ou adjectivos. Como substantivos, o plural é azuis-celestes, azuis-marinhos; como adjectivos, o plural é azul-celestes, azul-marinhos. Podemos dizer que azul-marinho é um azul que é marinho, azul-celeste é um azul que é celeste; porém, não podemos dizer que verde-musgo é um verde que é musgo, mas sim que é um verde da cor do musgo.

No composto castanho-claro, a palavra claro é adjectivo porque acrescenta uma característica, uma extensão ao tipo de castanho. O plural do adjectivo é castanho-claros.

Pergunta:

A minha dúvida prende-se com a fonética da palavra bebé. Segundo sei, não existem palavras com duas sílabas tónicas na língua portuguesa. Mas a palavra bebé é sempre lida como «bé-bé». Como se explica isto?

Muito obrigado.

Resposta:

O substantivo de dois géneros bebé tem apenas um acento gráfico embora se pronuncie como "bèbé", com e aberto em ambas as sílabas. A palavra bebé é oxítona, apresenta acento tónico na última sílaba. O motivo da sua pronúncia prende-se com a sua origem etimológica.

Esta palavra provém do francês bébé com a pronúncia [bebe]. Como provém do francês, interpretou-se o acento agudo no francês como abertura da vogal, e passámos a pronunciar a palavra bebé, isto é, "bèbé". Note-se que, em português europeu, a ocorrência de uma vogal aberta nem sempre é indicativa de vogal tónica; por exemplo, pegada («marca de pé»), cafezinho e certamente têm um e aberto em sílaba átona: pegada, cafezinho certamente (sílaba tónica a negro).

Pergunta:

Como saber se o se é reflexivo ou parte integrante do verbo nesta frase: «Ela se olhou no espelho»? Se puderem me dêem uma explicação, um macete, qualquer coisa que me ajude a eliminar qualquer dúvida com respeito ao se (reflexivo ou parte integrante do verbo).

Gosto de vocês demais!

Resposta:

Agradecemos o seu apreço!

A partícula se pode desempenhar diferentes funções na frase, inclusive ser pronome reflexo, o que significa ao mesmo tempo fazer parte integrante do  verbo.

O verbo olhar, no caso da frase da pergunta, é reflexo por se encontrar acompanhado dum pronome reflexo:

(a) Ela olhou o Pedro no espelho.

(b) A Maria olhou-se no espelho [isto é, olhou-se a si própria].

Na frase (a), o complemento directo é o Pedro. Na frase (b), o complemento directo de olhou é se, referindo-se a Maria. A acção praticada pela Maria reflecte-se nela própria. Assim, dizemos que o verbo é reflexo. E o pronome se é um pronome reflexo.

Contudo, há verbos em que esta correspondência não se verifica, pelo que não podemos dizer que a acção do verbo se reflicta no próprio sujeito (o asterisco indica que a interpretação ou a frase não são aceitáveis):

(c) a Maria esforçou-se por aprender [*esforçou-se a si própria]

(d) *a Maria esforçou o Pedro

Em (c) e (d), se é um pronome inerente, porque faz parte da forma verbal (no caso, esforçar-se).

A partícula se pode também ser:

— Pronome com função de sujeito indeterminado (Exemplo: «O que quer que se coma);

Pergunta:

Gostaria de saber se ouriço-cacheiro é um substantivo epiceno e, caso não seja, qual é então a forma feminina.

Obrigada.

Resposta:

O substantivo ouriço-cacheiro é um substantivo epiceno. Os substantivos epicenos, geralmente designativos de animais, possuem apenas um género gramatical embora possam referir animais de ambos os sexos, por exemplo, a serpente, o jacaré. Para se especificar o sexo do animal, juntam-se ao substantivo as palavras macho ou fêmea: ouriço-cacheiro fêmea e ouriço-cacheiro macho ou o macho ou a fêmea do ouriço-cacheiro.

Pergunta:

Nas frases «São os meus cromos.» e «São os lápis deles.», "meus" e "deles" são determinantes ou pronomes possessivos? E na resposta à pergunta «De quem é o livro? É dela.», a palavra dela é um determinante possessivo ou um pronome possessivo? Na minha opinião, trata-se de um pronome uma vez que está a substituir o nome “livro”. Mas não tenho a certeza absoluta. Parabéns pelo trabalho desenvolvido.

Resposta:

Os determinantes possessivos exprimem a ideia de posse e estabelecem a sua referência através de um mecanismo de localização tomando como ponto de referência os participantes do discurso, ou seja, os possuidores. Os determinantes possessivos especificam os nomes, co-ocorrendo em posição pré-nominal:

(1) A minha Lieta foi hoje ao veterinário.

Podem também ser reforçados com a palavra próprio:

(2) Todos o abandonaram, até a sua própria mãe.

São normalmente precedidos de artigo definido ou demonstrativo, excepto quando co-ocorrem com um constituinte nominal com função de vocativo ou modificador apositivo:

(3) Meu amigo, a vida tem destas coisas.

(4) Pedro, seu irmão mais velho, abraçou-o calorosamente.

Os pronomes possessivos indicam o(s) possuidor(es) do(s) objecto(s) que são designados pelo nome que substituem estabelecendo uma relação de posse, sendo geralmente precedidos por artigo definido:

(5) O Pedro tem os animais de estimação dele e eu tenho os meus.

Em relação às frases que a consulente indica, «São os meus cromos» e «São os lápis deles», «meus» e «deles» são determinantes possessivos, uma vez que ambos estão a especificar os substantivos que os precedem. A palavra deles é uma contracção (de + ele) da língua portuguesa que oferece o recurso de precisar a pessoa d...