Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na passada semana, usei a expressão «aferir a possibilidade» no sentido de verificar a possibilidade de, o que suscitou dúvidas ao destinatário que não entendeu o sentido.

Assim, gostaria de saber se estou certa na minha abordagem relativamente ao sentido/significado da expressão «aferir a possibilidade de».

Resposta:

O verbo aferir pode ser usado com o sentido que indica.

De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa (em linha), o verbo aferir pode ser usado com um significado mais concreto, com o sentido de «cotejar pesos ou medidas com padrões de referência; verificar a exatidão de instrumentos ou aparelhos de medição por comparação com outros considerados padrões legais» ou com um sentido mais figurado equivalente a «avaliar ou julgar, comparando, confrontando».

Com esta última significação, aferir pode combinar-se com nomes que designam realidades não materiais. Vejam-se várias possibilidades de construção identificadas numa pesquisa ao Corpus do Português, de Mark Davies:

(1) «aferir a disposição do governo»

(2) «aferir um recorde mundial»

(3) «aferir a força do partido a nível nacional»

(4) «aferir o comportamento do mercado»

(5) «aferir a viabilidade daquela construção»

(6) «aferir da sua importância na sociedade»

É possível também identificar usos da construção «aferir a possibilidade» numa pesquisa na internet (por exemplo, aquiaqui  ou

Pergunta:

Na frase:

«A isso se chama paralelismo sintático.»

Qual a função sintática do termo «a isso»?

Qual a função sintática do termo «paralelismo sintático»?

Obrigado.

Resposta:

Na frase em questão, o constituinte «paralelismo sintático» desempenha a função de predicativo do complemento indireto.

O verbo chamar-se com o sentido de «apelidar; qualificar, tachar» pode assumir duas construções, aqui exemplificadas em (1) e (2)1:

(1) «Os amigos chamam o João chefe.»

(2) «Os amigos chamam ao João chefe.»

Em casos como este o verbo chamar integra uma construção predicativa, na qual se combina ora com complemento direto + predicativo do complemento direto, como em (1), ora com complemento indireto + predicativo do complemento indireto, como em (2).

O caso em apreço, transcrito em (3), é equivalente à construção que apresentamos em (2), pelo que «a isso» desempenha a função de complemento indireto e «paralelismo sintático» a de predicativo do complemento indireto2.

(3) «A isso se chama paralelismo sintático.»

Disponha sempre!

 

1. Luft, Dicionário prático de regência verbal. Ed. Ática, 2008, p. 115.

2. Cf. Bechara, Moderna Gramática Portuguesa. Ed. Lucerna, 2019, p. 580.

Pergunta:

Boa noite. Por favor, a frase: " Sabe-se muito pouco sobre Deus". Qual o tipo de sujeito desta frase? Qual a função sintática do termo " muito pouco sobre Deus"? Qual a classificação do vocábulo "se"?

Agradecido, Evandro!

Resposta:

O verbo saber pode ser usado como transitivo direto:

(1) «Ele sabe a verdade.»

ou como transitivo indireto:

(2) «Ele sabe de um lugar adequado.»

Os dicionários de verbos1 preveem o uso da preposição de com o verbo saber neste uso transitivo indireto. No entanto, há muitos registos de usos do verbo saber com a preposição sobre com o mesmo comportamento sintático-semântico:

(3) «O que o Google sabe sobre mim?» (aqui )

(4) «O que se sabe sobre o ataque a tiro em Bruxelas que matou duas pessoas» (Observador)

(5) «Coisas que ninguém sabe sobre mim» (Conceito IT)

Nesta linha de análise os constituintes introduzidos pelas preposições de ou sobre desempenham a função de complemento relativo2 (ou complemento oblíquo)

No caso da frase apresentada, o constituinte «sobre Deus» desempenha a função de complemento determinativo e o constituinte «muito pouco» incide sobre o verbo saber para indicar uma quantificação do «saber sobre Deus», não se sendo um argumento do verbo, ou seja, não sendo pedido pelo verbo. Por esta razão, o constituinte «muito pouco» desempenha, nesta frase, a função de adjunto adverbial (modificador do grupo verbal).

Disponha sempre!

 

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Nomofobia
Um neologismo para referir uma dependência

O significado do neologismo nomofobia e a sua formação dão matéria ao apontamento da professora Carla Marques.

Apontamento incluído no programa Páginas de Português, na Antena 2, no dia 22 de outubro de 2023.

Pergunta:

Tenho dúvidas acerca da formulação «Ele olhou à volta/em redor da sala», com o sentido de alguém estar dentro de uma sala ou de um espaço fechado e olhar a toda a sua volta. Este uso está correto?

«Em redor» ou «à volta de uma sala» não seria aquilo que está no seu exterior e que a circunda?

Resposta:

Com efeito, as formulações apresentadas não expressam a intenção que tem em mente.

As locuções «à volta de» e «em redor de» são equivalentes e indicam um movimento que ocorre à roda de alguma coisa, o que normalmente é processado do lado de fora1:

(1) «Ele andou à volta de / em redor da escola.»

(2) «O lenço foi colocado à volta do / em redor do pescoço.»

Para indicar um movimento ocular que tem lugar no interior do espaço, poderá optar por formulações como:

(3) «Na sala, olhou em seu redor / à sua volta.»

(4) «Olhou o espaço que o rodeava.»

Disponha sempre!

 

1. Consultou-se o Dicionário da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa (em linha).