Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Há alguma diferença entre as locuções adverbiais de meio e instrumento? Ao meu ver, não! Porém...

Há alguns gramáticos que usam as duas classificações separadamente. Mas... percebi também que existem gramáticos que usam apenas uma ou outra e outros colocam as duas locuções como sinônimas.

Desde já, agradeço aos Senhores pela enorme atenção que sempre tiveram comigo e com todos que procuram saber sobre a Língua Portuguesa.

 

Resposta:

A classe dos advérbios é muito heterogénea e engloba termos com características e comportamentos muito diversos. Esse facto tem dado origem a propostas de organização das suas subclasses muito distintas.

Tal situação justifica o facto de a subclasse dos advérbios de meio ou de instrumento não constar de todas as propostas. Por exemplo, gramáticos como Cunha e Cintra1, Mário Perini2, Rocha Lima3 ou Domingos Cegalla4 não consideram este tipo de advérbios. A própria Nomenclatura Gramatical Brasileira não prevê esta classificação. Já Evanildo Bechara5 considera apenas a existência de advérbios que expressam uma circunstância de instrumento. Esta opção de não distinguir advérbios de meio e de instrumento estará relacionada com o facto de, neste quadro de classificação, o valor das locuções incluídas nesta significação não se distinguir. Assim, em exemplos como os seguintes não se destrinça semanticamente com clareza a ideia de meio usado para fazer algo da ideia de instrumento usado para fazer algo:

(1) «cortar à faca»

(2) «escrever à mão»

(3) «bater com uma flor»

(4) «viajar de avião»

(5) «andar a pé»

Deste modo, a considerarmos a existência de um grupo de locuções que detém comportamento adverbial e que veicula a ideia de instrumento ou meio, estas deverão integrar uma mesma subclasse.

Em nome do Ciberdúvidas, agradeço as gentis palavras que nos endereça. 

Disponha sempre!

 

1. Cunha e Cintra,

Pergunta:

Na frase, «Muitos vocábulos da língua latina são conhecidos para os meus discípulos», por que «para os meus discípulos» não pode ser agente da passiva?

Os discípulos não estariam fazendo a ação de conhecer?

«Os meus discípulos conhecem muitos vocábulos da língua latina.»

Disseram-me que é objeto indireto num curso que faço, mas ainda não entendi por quê!

Estaria, então, correta a regência «conhecido para alguém»?

Resposta:

Na frase transcrita em (1), o constituinte «para os meus discípulos» não é complemento agente da passiva pelo facto de não ser introduzido pela preposição por (ou pela preposição de), razão pela qual também não corresponde ao sujeito da frase ativa:

(1) «Muitos vocábulos da língua latina são conhecidos para os meus discípulos.»

Considera-se, por este motivo, que a frase apresentada em (2) é distinta da que se apresenta em (1), sendo esta, sim, uma construção passiva:

(2) «Muitos vocábulos da língua latina são conhecidos pelos meus discípulos.»

Para além disso, a palavra conhecidos, na frase (1), corresponde a um adjetivo usado em frase copulativa ao serviço da descrição de uma situação episódica de forma estática (ver esta resposta).

Por outro lado, não poderemos considerar que o constituinte «para os meus discípulos» desempenha a função de complemento indireto prototípico1 porque este não é substituível pelo pronome lhe:

(3) «*Muitos vocábulos da língua latina são-lhes conhecidos.»

Este constituinte pode, todavia, ser considerado, à luz da proposta de Bechara, um caso de dativo de opinião2, que o autor ilustra como exemplos como os seguintes:

(4) «Para ele a vida deve ser intensamente vivida.»

(5) «Para nós ela é a culpada.»

Isto significa que o constituinte «para os meus discípulos» poderá inclusive surgir noutro espaço da frase, como se confirma em (6):

(6) «Para os meus discípulos, muitos vocábulos da língua latina são conhecidos.»

Pergunta:

Gostaria de saber se é correto referirmo-nos a um intervalo de espera da seguinte forma:

«Depois de uma breve espera no aeroporto, à qual se somou um trajeto de uma hora e doze minutos, o seu voo aterrou finalmente em Miami.»

Por outro lado, existe algum antónimo de momento no que se refere à unidade de tempo? Ou seja, há alguma expressão que possa significar o contrário de «num momento».

Agradeço a resposta!

Resposta:

A frase apresentada em (1) está correta, pois no segmento «uma breve espera» o nome espera, que designa o «ato de esperar», ao ser modificado pelo adjetivo breve expressa a referência a um intervalo de espera curto:

(1)  Depois de uma breve espera no aeroporto, à qual se somou um trajeto de uma hora e doze minutos1, o seu voo aterrou finalmente em Miami.»

Relativamente ao nome momento, não existe um nome que funcione como um antónimo válido em todos os contextos, mas a análise do uso da expressão em cada contexto poderá permitir identificar palavras ou construções que nesse âmbito tenham o significado inverso, como acontece nos exemplos seguintes:

(2) «Num momento, chegou perto dele.» = «Muito tempo depois, chegou perto dele.»

(3) «Um momento foi importante para a decisão tomada.» = «Nenhum momento foi importante para a decisão tomada.»

Disponha sempre!

 

1. Por exemplo, o Dicionários Houaiss de sinónimos e antónimos não regista qualquer antónimo para a palavra momento.

Pergunta:

Relativamente à concordância do sujeito com a forma verbal, tenho algumas dúvidas.

Na frase «Eles afirmam serem professores de informática», o verbo ser concorda ou não?

«Eles afirmam ser professores de informática.»

Gostaria que me explicassem em que casos se aplica essa regra.

Obrigada!

Resposta:

Sendo o sujeito de ambas as orações o mesmo, o verbo ser não deve flexionar.

A regra geral diz-nos que o infinitivo deve ser flexionado (ou seja, concordar com o sujeito) quando o seu sujeito é distinto do sujeito da oração subordinante1, como acontece em (1):

(1) «Ele aconselhou os jovens a serem professores de informática.»

Nesta frase, o verbo ser concorda com o seu sujeito, «os jovens», surgindo na 3.ª pessoa do plural.

Quando o sujeito de ambas as orações é o mesmo, o verbo ser deve manter-se na forma de infinitivo simples:

(2) «Eles afirmam ser professores de informática.»

A interpretação de uma frase com esta estrutura é a de que quem é professor de informática é o conjunto de pessoas referidas como «eles».

Se o sujeito de ambas as orações fosse diferente, o verbo ser já concordaria com ele, como acontece em (3):

(3) «Ele afirma serem os jovens professores de informática.»

Nesta frase, ele é sujeito de afirmar e «os jovens» sujeito do verbo ser, daí este último surgir na 3.ª pessoa do plural.

Disponha sempre!

 

1. Para alguns casos particulares, vejam-se os textos relacionados.

Pergunta:

Na passada semana, usei a expressão «aferir a possibilidade» no sentido de verificar a possibilidade de, o que suscitou dúvidas ao destinatário que não entendeu o sentido.

Assim, gostaria de saber se estou certa na minha abordagem relativamente ao sentido/significado da expressão «aferir a possibilidade de».

Resposta:

O verbo aferir pode ser usado com o sentido que indica.

De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa (em linha), o verbo aferir pode ser usado com um significado mais concreto, com o sentido de «cotejar pesos ou medidas com padrões de referência; verificar a exatidão de instrumentos ou aparelhos de medição por comparação com outros considerados padrões legais» ou com um sentido mais figurado equivalente a «avaliar ou julgar, comparando, confrontando».

Com esta última significação, aferir pode combinar-se com nomes que designam realidades não materiais. Vejam-se várias possibilidades de construção identificadas numa pesquisa ao Corpus do Português, de Mark Davies:

(1) «aferir a disposição do governo»

(2) «aferir um recorde mundial»

(3) «aferir a força do partido a nível nacional»

(4) «aferir o comportamento do mercado»

(5) «aferir a viabilidade daquela construção»

(6) «aferir da sua importância na sociedade»

É possível também identificar usos da construção «aferir a possibilidade» numa pesquisa na internet (por exemplo, aquiaqui  ou