Pergunta:
Tenho sempre ouvido dizerem que o -ão em final absoluto é uma exclusividade da nossa língua. Nos outros idiomas existiria apenas -on no final das palavras. Como sei que freqüentemente há lendas em torno desse ou daquele elemento do nosso idioma, resolvi apelar mais uma vez ao Ciberdúvidas, essa fonte inesgotável de sabedoria, indagando-lhe se é verdade essa afirmação de muitos acima registrada.
Parece-me que não foi apenas -on a terminação que se transformou em -ão, mas houve outras que também tiveram o mesmo destino. Quais teriam sido elas?
Quando exatamente tal terminação surgiu em nosso idioma? Creio que deve ter sido primeiramente na linguagem oral. Engano-me?
A princípio, a terminação era escrita como hoje, ou era grafada apenas com -am? Havia ainda outras formas mais de escrevê-la? A atual forma, -ão, apareceu quando?
Meus amigos consultores, mais uma vez vos digo: muitíssimo obrigado por tudo.
Resposta:
De facto, o ditongo nasal final é uma idiossincrasia da nossa língua. As formas latinas que originaram o ditongo nasal -ão foram as seguintes:
(i) -ane (ex: pane > pão)
(ii) -one (ex: oratione > oração)
(iii) -anu (ex: veranu > verão)
(iv) -um (ex: sum > são, arcaico = sou)
(vi) -unt (ex: sunt > são)
(vii) -ant (ex: dant > dão)
(viii) -on (ex:non > não)
Ou seja, a partir do português antigo mais tardio registou-se uma convergência das terminações nasais em -ão. E, como todas as alterações linguísticas, esta uniformização começou na linguagem oral, embora no período medieval existissem várias grafias para marcar a nasalidade em fim de palavra, tais como: -ã, -am, -õ, -on, -ão, -õo, -ãa, -om. Por um lado, esta proliferação de grafias deve-se em parte ao conservadorismo no português antigo na ortografia que tentava ser a mais etimológica possível; por outro lado, desde cedo começaram a surgir terminações gráficas onde não seria de esperar, como por exemplo nas Cantigas de Santa Maria (século XIII), em que surge a rima entre -am e -ão (cf. Rosa Virgínia Mattos e Silva, Estruturas Trecentistas, 1989). Será já a partir do português clássico que a forma gráfica -ão começa a generalizar-se, consagrando a perda de contraste fonológico entre as antigas terminações nasais.