Ana Rita B. Guilherme - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Ana Rita B. Guilherme
Ana Rita B. Guilherme
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Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas-Estudos Portugueses e Ingleses pela Faculdade de Letras de Lisboa; mestre em Linguística Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; investigadora do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Já vi várias vezes no Ciberdúvidas as pessoas solicitarem a origem etimológica desta ou daquela palavra, e essa combinação sempre me chocou. É correta? Para mim parece redundante, bastaria dizer que se gostaria de obter a origem ou a etimologia de determinada palavra.

Resposta:

De facto, a expresssão «origem etimológica» é redundante, e é suficiente dizer a «origem da palavra X» ou «a etimologia da palavra X».

Sempre ao seu dispor,

Pergunta:

Tenho sempre ouvido dizerem que o -ão em final absoluto é uma exclusividade da nossa língua. Nos outros idiomas existiria apenas -on no final das palavras. Como sei que freqüentemente há lendas em torno desse ou daquele elemento do nosso idioma, resolvi apelar mais uma vez ao Ciberdúvidas, essa fonte inesgotável de sabedoria, indagando-lhe se é verdade essa afirmação de muitos acima registrada.

Parece-me que não foi apenas -on a terminação que se transformou em -ão, mas houve outras que também tiveram o mesmo destino. Quais teriam sido elas?

Quando exatamente tal terminação surgiu em nosso idioma? Creio que deve ter sido primeiramente na linguagem oral. Engano-me?

A princípio, a terminação era escrita como hoje, ou era grafada apenas com -am? Havia ainda outras formas mais de escrevê-la? A atual forma, -ão, apareceu quando?

Meus amigos consultores, mais uma vez vos digo: muitíssimo obrigado por tudo.

Resposta:

De facto, o ditongo nasal final é uma idiossincrasia da nossa língua. As formas  latinas que originaram o ditongo nasal -ão foram as seguintes:

(i)  -ane (ex: pane > pão)
(ii) -one (ex: oratione > oração)
(iii) -anu (ex: veranu > verão)
(iv) -um (ex: sum > são, arcaico = sou)
(vi) -unt (ex: sunt > são)
(vii) -ant (ex: dant > dão)
(viii) -on  (ex:non > não)

Ou seja, a partir do português antigo mais tardio registou-se uma convergência das terminações nasais em -ão. E, como todas as alterações linguísticas, esta uniformização começou na linguagem oral, embora no período medieval existissem várias grafias para marcar a nasalidade em fim de palavra, tais como: -ã, -am, -õ, -on, -ão, -õo, -ãa, -om. Por um lado, esta proliferação de grafias deve-se em parte ao conservadorismo no português antigo na ortografia que tentava ser a mais etimológica possível; por outro lado, desde cedo começaram a surgir terminações gráficas onde não seria de esperar, como por exemplo nas Cantigas de Santa Maria (século XIII), em que surge a rima entre -am e -ão (cf. Rosa Virgínia Mattos e Silva, Estruturas Trecentistas, 1989). Será já a partir do português clássico que a forma gráfica -ão começa a generalizar-se, consagrando a perda de contraste fonológico entre as antigas terminações nasais.

Pergunta:

Tenho vindo a procurar averiguar a origem dos topónimos da minha região, mas não encontro a origem do topónimo Aguincheira... Poderão fazer o favor de ajudar-me?

Resposta:

Segundo José Pedro Machado (1993), a origem de Aguincheira é obscura. É um topónimo de Vale de Cambra e que deriva ou de Aguincha ou Aguincho. Aguincha poderá corresponder a um «apelido raro e estranho» e caso derive de guinchar será «uma antiga alcunha» (idem). Quanto ao Aguincho, é uma derivação paralela de Aguincha e pode ter sido uma «alcunha que se tornou topónimo» (idem).

Bibliografia: Machado, José Pedro (1993), Dicionário Onomástico e Etimológico da Língua Portuguesa.

Sempre ao seu dispor,

Pergunta:

Sabendo-se que podem ocorrer mudanças quanto a níveis estruturais da língua (fonético, fonológico, morfológico, sintático e semântico), vocês poderiam me dar exemplos dessas mudanças nesses níveis?

Agradeço a colaboração!

Resposta:

De modo muito sumário, diga-se que as mudanças estruturais da língua podem ocorrer no eixo sintagmático e no eixo paradigmático.

O eixo sintagmático é o nível horizontal da língua, isto é, envolve a ordem linear das formas da língua (ex: fonema + morfema + palavra + frase). A mudança fonética regular é um exemplo de mudança estrutural a este nível, ou seja, os sons mudaram, ou mudam, adquirindo traços fonológicos de sons vizinhos (ex: sonorização das consoantes surdas do latim vulgar). Um outro exemplo de mudança estrutural, mas esta ao nível sintáctico, que ocorreu no eixo sintagmático é o da colocação dos clíticos. O português antigo era predominantemente uma língua proclítica, mas actualmente o português europeu é uma língua enclítica, excepto em contextos obrigatórios de próclise.

O eixo paradigmático da língua corresponde ao eixo vertical da língua, em que há uma relação de substituição entre unidades linguísticas, ou seja, um nome só pode substituir um nome, um verbo só pode substituir outro verbo, e por aí fora. Todas as alterações morfológicas na língua são estruturais e ocorrem a este nível, uma vez que, alterando-se a morfologia de uma palavra, todo o seu paradigma se altera (ex: queda do [e] final na forma infinitiva dos verbos na passagem do latim vulgar para o português). A analogia também constitui outro processo de mudança linguística estrutural que se enquadra neste eixo. Um exemplo de analogia é a gramaticalização: certos verbos lexicais do latim (ser, estar, haver e ter) passaram a verbos auxiliares. Quanto à mudança semântica, podemos dar como exemplo a substituição do verbo scire («saber») pelo verbo sapere («ter sabor, ter paladar») em quase todas as variantes do latim vulgar, provocando assim uma alteração semântica e lexical.

Pergunta:

Na frase «Preocupa-me a sua juventude», qual é a função sintática de «sua juventude»?

Esta frase surgiu num exercício onde tinha de transformar as frases complexas com orações substantivas completivas em frases simples. A frase original era «Preocupa-me que seja tão jovem».

Obrigada.

Resposta:

Na frase em questão, «a sua juventude» desempenha a função sintáctica de sujeito. A frase apresenta uma inversão dos constituintes gramaticais, isto é, o predicado surge antes do sujeito, mas, se invertermos os constituintes, e antepusermos o grupo nominal «a sua beleza» ao verbo — «a sua beleza preocupa-me» —, verificamos que esta se mantém gramatical.

Quanto à frase «Preocupa-me que seja tão jovem», esclareça-se que muitas orações subordinadas substantivas completivas desempenham a função sintáctica de sujeito, e, quando assim é, podem ser substituídas pelo pronome demonstrativo isto, isso — o que acontece neste contexto: «Preocupa-me isso», «Isso preocupa-me». As orações substantivas completivas constroem-se com verbos psicológicos como o verbo preocupar.

Sempre ao seu dispor.