« (...) Uma base de dados de 800 perguntas, randomizadas em função do nível e [com] um algoritmo matemático que faz a análise [das respostas. (...))»
Se alguém, em qualquer ponto do mundo, quiser começar a aprender português, já tem uma ferramenta desenvolvida em Portugal e disponível exclusivamente online. O Meu Português, assim se chama o curso, nasceu de uma parceria entre a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL) e a Distance Learning Consulting (DLC), empresa fundada em 1998 para dar resposta a um projecto da Universidade Católica Portuguesa.
Miguel Tamen, professor e director da FLUL, explica ao Público como surgiu tal projecto: «Nós já tínhamos uma longuíssima experiência de ensino presencial, em particular no ensino do português como língua estrangeira, que é um caso especial. Porque, sem perda notória da qualidade, pode ser ensinado de modo não presencial.» Tiveram várias tentativas exploratórias, com vários parceiros, mas nunca resultaram. “Muitas vezes por razões técnicas, porque as plataformas que nos ofereciam não eram as ideais.” Até que surgiu a DLC. «Contactaram professores nossos, conversámos durante uns meses e chegámos à conclusão que era possível desenvolver isto.»
Acessível em oito línguas (português, espanhol, francês, inglês, russo, mandarim, árabe e romeno), o curso foi lançado em Janeiro, embora só em meados do ano se tenha uma ideia clara do seu impacto. Nélia Alexandre, uma das coordenadoras pedagógicas da equipa responsável pelos conteúdos deste curso e também coordenadora dos cursos de Português Língua Estrangeira do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa da FLUL, diz: «A empresa já trazia este produto esboçado. O que nós fizemos, e levou quase um ano a ser feito, foi toda a revisão do material que eles tinham em esboço, dando a nossa parte pedagógica e científica a esse projecto. Foi feito de raiz para o português.»
Unificado «é fantasia»
Ou melhor, para duas variantes do português, a de Portugal e a do Brasil, porque o ensino de um português unificado é «uma fantasia«, diz Miguel Tamen. «Tal como há maneiras diferentes de escrever português, há maneiras diferentes de falar e de usar a língua. E à medida que se progride nos níveis, as diferenças vão ser maiores. Quando começam as formas de tratamento, o vocabulário e as estruturas sintácticas, podem mesmo ser grandes.» No entanto, o Acordo Ortográfico é aplicado nos textos do curso, no português europeu ou brasileiro. «É uma questão oficial», justifica Nélia Alexandre.
No curso, diz Miguel Tamen, «há três grandes níveis, com dois subníveis cada um: A1, A2; B1, B2; C1, C2. Este último já corresponde a uma proficiência muito considerável. E logo no primeiro patamar estas diferenças estão contempladas, diz Nélia Alexandre: «Já temos vocabulários diferentes e uma ou outra frase com o uso do verbo haver [Portugal] ou ter [Brasil]. Nas formas de tratamento usámos o você para o português brasileiro, mas nunca o você para o português europeu. Tivemos já esse cuidado.»
Para se ter uma ideia do que é o curso, o primeiro nível (A1) divide-se em seis unidades e cada uma em vários tópicos: Alfabetização (O alfabeto latino, Os sons da fala, Leitura de sílabas, Leitura de palavras), Identificação pessoal (Nome, Idade, Nacionalidade, Família, Formas de tratamento), Quotidiano (As horas, Dias da semana, Tempo e estações do ano, Rotina diária), Alimentação (Comida, Bebida, Compras, Refeições), Casa (Habitação, Mobiliário e utensílios, Descrição da casa, Tarefas domésticas) e Trabalho (Profissões, Locais de trabalho, Emprego). Tudo numa óptica comunicativa.
Nélia Alexandre acrescenta: «A filosofia que preside aos conteúdos que estão no A1, e que é a mesma para todos os níveis que estamos a desenvolver, é a do quadro europeu comum de referência para as línguas. Não estamos a inventar nada, estamos a seguir referenciais que reforçam e salientam essa vertente comunicativa e a vários níveis. Porque nós não aprendemos uma língua, seja ela qual for, da mesma forma nem ao mesmo ritmo.»
E só este nível pode demorar seis meses ou um ano, «dependendo da velocidade que cada candidato quiser imprimir ao seu estudo.» No final do primeiro nível, previsto para 300 horas, o formando deverá, diz o programa do curso, ser «capaz de interagir de modo simples, fazer perguntas e dar respostas sobre ele próprio e sobre os seus interlocutores, sobre o local onde vive(m), sobre as pessoas que conhece(m), sobre as coisas que possui(em), intervir ou responder a solicitações utilizando enunciados simples acerca das áreas de necessidade imediata ou de assuntos que lhe são muito familiares.»
A máquina e um tutor
No nível A, a relação de quem estuda faz-se apenas com a máquina. «Há vários testes. Os primeiros são muito importantes porque são formativos, vão dando informação ao aprendente de como está a evoluir; porque neste sistema online nós não controlamos a aprendizagem, o aprendente tem que se auto-avaliar e auto-monitorizar.» Como é que funciona? «Nós temos uma base de dados de 800 perguntas, randomizadas em função do nível e é um algoritmo matemático que faz a análise. Em cada sessão a pessoa pode fazer essa verificação; no final de cada unidade, há um teste mais complexo, para ver se a pessoa está bem ou não, se já pode transitar para a unidade seguinte ou se ainda tem de passar mais algumas horas a trabalhar. E ao fim das seis unidades é que há um teste final, avaliativo, que vai dizer se a pessoa tem, ou não, direito ao certificado.»
Notícia transcrita, com a devida vénia, do jornal Público, do dia 2 de junho de 2019, escrita segunda a norma ortográfica de 1945.