Fazer do português uma das línguas oficiais da ONU é uma aposta estratégica do Governo português. E esta foi uma das razões que levaram o ministro dos Negócios Estrangeiros Augusto Santos Silva a nomear pela primeira vez um diplomata para dirigir o instituto que tutela a língua e a cooperação. Curiosamente, na posse do novo presidente do Camões — cujo portal vai ter informação traduzida em espanhol e mandarim — Santos Silva preferiu utilizar a expressão inglesa "soft power" para dizer que boa parte do «poder de influência de Portugal na ordem mundial» passa pela internacionalização da língua e da cultura.
O português é a 4.ª ou 5.ª língua mais falada no mundo, consoante os indicadores. Como se sente a dirigir esta ‘casa’, sendo licenciado em Direito e diplomata de carreira?
O português já é falado por 261 milhões de pessoas e as estimativas apontam para que dentro de pouco mais de duas décadas cheguemos aos 400 milhões. É a língua mais falada no Hemisfério Sul e, tal como o espanhol — que [com o inglês e mandarim] está à nossa frente nesta tabela — temos um enorme potencial de crescimento; quero ainda dizer que é em África que a língua portuguesa vai crescer mais, sobretudo em Angola e em Moçambique. Para responder à pergunta não podemos esquecer que este Instituto é tutelado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros; foi entendimento do Governo nomear um diplomata para este cargo, e isso é o reconhecimento das valências dos diplomatas e de um olhar transversal sobre a política externa.
Há uma clara aposta estratégica na língua?
O trabalho realizado pelo Camões está no centro da nossa política externa; o português é utilizado em 30 organizações internacionais, e um dos objetivos que temos é que venha a ser língua de trabalho das Nações Unidas; para que isso aconteça temos de apostar na formação, sobretudo na [área de] tradução. Somos uma língua de negócios, de cultura, de herança, uma língua multiforme e um ativo para promover o poder de influência de Portugal em termos internacionais.
O que quer dizer com a expressão “língua de ciência”?
Temos duas apostas importantes que já vêm do tempo da minha antecessora, cujo papel quero salientar. Foi Ana Paula Laborinho que assegurou a fusão e [incentivou] programas de apoio à internacionalização, de que destaco a aposta na diplomacia científica — onde temos como objetivo valorizar a produção científica [escrita] em português. Há uma resolução do Conselho de Ministros do final de 2016 sobre esta matéria, e o Brasil pode ter aqui um importante contributo. Estive recentemente num encontro na Fundação Gulbenkian com investigadores portugueses e esta questão da produção científica em português foi abordada.
E a outra resolução?
Trata-se do estatuto da Empresa Promotora da Língua Portuguesa (EPLP), que permite que qualquer empresa apoie financeiramente a promoção da língua. As empresas ficam habilitadas a associar o seu nome a bolsas, leitorados, cátedras, entre outros projetos.
Falou do português como língua de negócios neste contexto da EPLP ou no caso da China?
As autoridades chinesas consideram que o português é a língua de negócios em África e, na China, há um interesse crescente pela aprendizagem da nossa língua. Há outros países com uma procura crescente, como o Senegal com cerca de 40 mil alunos e o Uruguai com 20 mil. Temos detetado um interesse para que o português seja ministrado por portugueses. Para facilitar a comunicação com quem nos procura [para aprender] vamos traduzir os conteúdos do portal para espanhol e mandarim; já estão em português e em inglês. E vamos colocar o Camões no espaço público com um ciclo de conversas mensais — “O Camões dá que falar”. O primeiro convidado é Luís Amado.
Tomou posse há dois meses e já foi confrontado com uma série de demissões no Camões. Quer comentar?
Conto com a equipa e não fiz nenhuma alteração. Houve pessoas na área do planeamento e gestão que entenderam que era altura de mudar e um dos pedidos de demissão já tinha sido solicitado antes de ter tomado posse.
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O diplomata que adotou um cão cubano
Chegou a Havana como representante de Portugal em setembro de 2015, e ali assistiu à histórica visita de Barack Obama à ilha de Fidel, e ao funeral do ‘Comandante’. A sua experiência na internacionalização da língua portuguesa passa pelo trabalho feito enquanto embaixador para a criação do leitorado de português e da Cátedra Eça de Queirós na Universidade de Havana. Luís Faro Ramos tem 55 anos, adotou um cão num canil de Havana, e é diplomata desde 1987; foi promovido a embaixador em 2012, e colocado em Tunes onde esteve três anos.
in semanário Expresso do dia 13 de janeiro de 2018.