A presidente do Instituto Camões encomendou um estudo económico sobre a língua portuguesa. «O Acordo Ortográfico não tem recuo», diz, em entrevista ao "Expresso".
O Instituto Camões encomendou um estudo para saber quanto vale a língua portuguesa. «É uma reacção a uma nova procura do português», diz a presidente do Instituto, Simonetta Luz Afonso, para quem é claro que as línguas têm um valor económico.
«Pedimos ao ISCTE que reunisse equipas multidisciplinares (economistas, financeiros, antropólogos, linguistas) para olhar para tudo o que acontece à volta à língua e daí tirar as conclusões do ponto de vista económico», afirmou. «Há indicadores de interesse manifesto por parte de pessoas que se estão a licenciar ou doutorar em áreas tão diversas como jornalismo, economia, finanças, ciência política, engenharia, que querem aprender português e cujas universidades nos contactam. Com o processo de Bolonha a funcionar, as pessoas têm de aprender línguas e o português é uma delas, o que significa que tem interesse como mais-valia curricular para quem está a fazer cursos que não são estritamente na área das línguas».
Para Simonetta, este processo ocorre no mundo inteiro, desde a Europa, à Rússia, até à China, porque «a aldeia global é muito rápida». Na Europa, em particular, reforça, «há três línguas que servem para sair do continente: inglês, espanhol e português. Há toda uma nova dinâmica das línguas e o português tem de saber aproveitar esta oportunidade, que é de ouro. O português é falado em oito países do mundo em alguns dos quais a guerra acabou e a economia está a crescer, logo, com grandes oportunidades de negócio. Ao todo somos 230 milhões de falantes, um número importante e em crescimento (prevê-se que sejam 335 milhões em 2050)».
O estudo foi encomendado por dois anos, no primeiro do qual se estudarão as indústrias da língua, cujos resultados permitirão fazer depois um segundo trabalho sobre o valor económico da língua propriamente dito, que será para 2009.
Valor multiplicado por oito
«O valor económico da língua decorre do valor estratégico e o nosso é multiplicado por oito porque somos oito países com oito culturas em cinco continentes», declara ainda a presidente do IC. Por outro lado, o facto do Brasil ter optado o espanhol como primeira língua estrangeira e, reciprocamente, outros países da América Latina estarem a fazer do português a primeira língua estrangeira (Argentina, Uruguai, Venezuela) vai criando uma mancha de línguas ibéricas com muita força. «E este mercado não é despiciendo — o mundo de negócios anda à volta disto e a língua é fundamental para a comunicação».
Nesta tarefa, é o Instituto Camões quem forma os professores para ensinar a língua. «É isso que dá sustentabilidade à língua — formar gente que a conhece bem e só depois aprender a técnica de ensinar», realça a sua presidente. Por enquanto, só Portugal se encarrega dessa tarefa pois é o único a dispor de uma instituição desse tipo — o Brasil projecta um, mas ainda não está formalizado.
1ª cátedra em África
Simonetta Luz Afonso considera que «a língua pode ser um utensílio de poder. Os países com língua mais falada têm mais poder, tanto no negócio, como na cultura. E, juntos, têm mais poder do que sozinhos, como será o caso da CPLP».
O português pode não ter o mesmo valor estratégico para todos os oito membros da comunidade lusófona, mas algo significa o facto dele ter sido escolhido como língua oficial. «Em Angola foi um factor de união, em Moçambique mais ainda e alguns só se entendem nesses países porque falam português», sublinha Luz Afonso. «O curioso é que muitas previsões falharam. Dizia-se que Moçambique ia falar inglês quando aderiu à Commonwealth e o que se verificou é que, agora, há uma lança do português nessa comunidade».
«Estamos a fazer a primeira cátedra de português em África na Universidade de Mondlane, no Maputo, cujo objectivo é não só reunir os jovens, doutorados, licenciados e mestres, mas também formar gente que vai ensinar português como língua segunda e língua estrangeira em Africa. A Costa do Marfim, por exemplo, quer ter o português como primeira língua estrangeira e, no Senegal, há milhões a falar português», destaca a presidente do Instituto Camões. São moçambicanos também os actuais leitores na África do Sul e no Zimbabué.
Repto às empresas
Já em Timor, a situação é completamente diferente. «Estamos a ajudá-los a conseguir ter o português como língua oficial, partindo de uma base muito baixa», diz Simonetta, apontando que, naquele país, só os mais velhos falavam e, agora, os muito jovens. «Toda a camada do meio, não". A recuperação também está a ser feita com a ajuda do IC, que já criou uma licenciatura na universidade. "Estamos sempre a envolver os locais».
A presidente do Instituto Camões aproveita para lançar o repto às empresas. «Tenho pena que as empresas que fazem negócios no mundo da lusofonia não se empenhem mais nesta promoção e neste trabalho do ensino do português. Nós fazemos sozinhos, mas se eles vierem, poderíamos abranger um maior número de províncias», diz, lamentando que «a língua ainda não tenha entrado nos desígnios das empresas portuguesas».
China e Macau são também exemplos do aumento do interesse em aprender português. Em Macau, diz, «fala-se hoje mais e melhor português do que quando estava connosco. A região obriga todos os funcionários públicos a falar. Abriu-se um mercado e eles perceberam que podiam explorar essa oportunidade. É uma plataforma importantíssima para ligação aos PALOP e os chineses utilizam isso», destaca.
«Acordo Ortográfico não tem recuo»
E quanto ao Acordo Ortográfico, faz diferença?
Simonetta acha que não. «O acordo não tem recuo. O que se tem de ter em atenção é o facto de, neste momento, haver novos parceiros que têm uma palavra a dizer. Mas é uma discussão um bocadinho estéril", sublinha: "não me parece que o Acordo vá diminuir a importância do português, pelo contrário, abre-se mais na medida em que escrevemos todos da mesma maneira. Não falamos da mesma maneira, mas parece-me interessante unificar a escrita».
Mais, diz a presidente do IC: «o facto de escrevermos da mesma maneira pode facilitar, contrariamente ao que dizem os editores, a promoção do livro. Encontrar nichos de mercado e não chorar sobre leite derramado — que não há. Não haverá milhões de livros deitados ao lixo».
Simonetta considera que o Acordo deve ser discutido no âmbito da CPLP, independentemente de cada país debater sozinho. «Os países devem fazê-lo em conjunto, porque a língua é nossa, de todos. Cada um de nós se apropriou dela e deu-lhe as suas nuances. A nossa será a mais próxima do latim bárbaro, as outras foram-se distanciando, mas não ao ponto de não os entendermos. Conseguimos falar uns com os outros».
Trabalhar com a CPLP
Para aplicar uma política da língua, o fundamental — diz Simonetta — «é que todos trabalhemos no mesmo sentido, todos os que falam português. É importante que todos tenhamos consciência da importância e da riqueza do português para cada um e para todos. Em África estão muitos países e esse peso nota-se na procura do português pelas instituições africanas, a União Africana (UA), a SADEC, SADC. Era preciso que cada um de nós faça valer a importância da língua nas instâncias em que está representado. Nós fazemo-lo na União Europeia e trabalhamos para isso».
A presidente do Camões acrescenta que, até à Estratégia de Lisboa, «o português era sempre considerado uma pequena língua — e é-o na Europa — mas é uma grande língua no mundo, a par do inglês e do espanhol. É um momento fantástico e não podemos perder esse comboio».
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*Versão integral do texto publicado na edição do Expresso de 25 de Abril de 2008, 1.º Caderno