Já fazia falta um esclarecimento sobre o termo desblindagem, como o da Antena 1, no dia da assembleia-geral da PT. O termo não consta nos dicionários gerais e, no entanto, os principais órgãos de comunicação social usaram-no à vontade, sem recurso a glosa ou expressão equivalente.
Blindar é conhecido: «proteger, por meio de material resistente, equipamentos militares contra bombardeamentos». Mas daqui até à desblindagem dos estatutos vai um passo considerável — aliás, dois: a formação de uma nova palavra através do recurso ao prefixo des- e a transposição de sentido do domínio da guerra para o da economia.
A associação de uma operação económica a uma batalha percorre muitas notícias sobre a OPA (Oferta Pública da Aquisição): há revisão em alta do preço-alvo, diz-se; a Sonaecom vai contra-atacar, anuncia-se; há que demolir um monopólio, sugere-se. E finalmente: «Anuncio que a OPA morreu» (Público, 3-3-2007) e «Sonae já sabia que ia perder» (Expresso, 4-3-2007).
Mas não é só nos jornais que se fala de movimentações económicas em termos de conflito armado. Essa associação está presente na própria terminologia (vulgo “economês”): um título tem um alto/baixo risco ou pode ser resgatado; um preço pode representar resistência, etc.
A blindagem dos estatutos é uma estratégia de defesa de uma empresa face a uma OPA ofensiva. Na PT, os estatutos limitam os direitos de voto dos accionistas a dez por cento do capital. Se esta limitação tivesse sido anulada, ocorreria a desblindagem dos estatutos.
Afinal, desblindar pode, no discurso noticioso sobre a OPA, coocorrer com desbloquear ou anular limites de voto — sem fazer guerra à compreensão do leitor.
*Artigo publicado no semanário Sol