Há muitas pessoas que falam português desde o berço e que duvidam que a construção «mais bem preparado/feito/arranjado» seja absolutamente correcta; ou que dignitário exista nos nossos dicionários, por exemplo. Dizem que são formas que «soam mal». Poriam as mãos no fogo por "melhor preparado" ou "dignatário".
Quer isto dizer que as formas que hoje soam mal aos falantes vão, mais tarde ou mais cedo, cair em desuso? Talvez sim.
É fácil ver que hoje não falamos como no tempo do D. Afonso Henriques, nem sequer como no dos nossos avós. O factor de mudança de uma língua está justamente na alta frequência de uma forma de dizer que até um dado momento era apenas marginal.
Mas o que significa dizer que a língua evolui? Que mudam não só os usos, mas também as regras gramaticais — com os usos na dianteira. Essas regras garantem a conservação da identidade de uma língua porque fixam a padronização de usos linguísticos — a ensinar nas escolas, a divulgar na edição de livros e a difundir nos media. São as regras que sustentam a norma numa fase da história da língua.
É, pois, absolutamente necessário que as regras gramaticais sejam respeitadas tanto quanto a sua longevidade o permitir, caso contrário a língua esboroa-se perante as variações, veleidades e invenções geradas na fertilidade da ignorância dos falantes socialmente prestigiados.
É claro que conhecer bem as regras e a gramática é muito mais do que listar as formas correctas e incorrectas da língua. Em todo o caso, aconselha-se vivamente o falante comum a seguir as regras e a não se fiar no critério do «soa bem»/«soa mal». É que aprender a música da língua de ouvido é arriscado: haverá sempre alguém que, à conta disso, estará pronto a dar-lhe baile.
*Artigo publicado no semanário Sol de 24 de Novembro de 2007, na coluna Ver como Se Diz