O leitor José Rui Amaral escreveu-nos e trouxe para reflexão, neste espaço, o problema da ausência de uma entidade reguladora para a língua portuguesa. Deu como exemplos o uso de facilidades com o significado de serviços - uma tradução inválida do inglês facilities. Apresentou também como exemplo o termo dispensador, equivalente a distribuidor.
Acontece que a palavra dispensador está dicionarizada. As perguntas são inevitáveis. Está certo? Está errado? Quem decide? E porque é que é importante saber?
De entre a diversidade de usos de uma língua, há uma variedade que é tomada como modelo. É a norma ou uso padrão. O domínio da norma diz-nos que o indivíduo é escolarizado e que tem ou terá um bom enquadramento social e profissional. Esse mesmo indivíduo pode muito bem usar regionalismos quando vai à sua aldeia ou falar "futebolês" quando vai ver a bola com os amigos, mas a norma padrão continua a ser o uso unificador, que o liga a toda a comunidade de falantes. É a norma padrão a activada nas áreas do ensino, dos media, da tradução, da jurisprudência, da administração, etc.
Mas, então, quem pondera e decide as formas a integrar, ou não, na norma padrão? Se a norma é também ela uma variedade de uso, quem decide e justifica, por exemplo, que destrocar dinheiro e precaridade são formas não reconhecidas?
A Academia de Ciências de Lisboa tem essas atribuições nos seus estatutos, mas a manifestação destas funções tem sido muitíssimo escassa. Além disso, o seu Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, saído em 2001, recebeu críticas ferozes. Havia imprecisões e lacunas, mas houve críticas erradas: críticas que ultrapassaram largamente a discussão académica.
Mas ninguém duvida que a língua tem de ser defendida, através da constante (re)definição de uma plataforma de usos estável e uniforme — tarefa que nenhuma instituição em Portugal está a tomar como sua.
*artigo publicado no semanário "Sol", de 31-03-2007