Tenho constatado ultimamente que, nas entrevistas publicadas em jornais portugueses, as situações de mau uso da língua são ainda mais frequentes. Já não falo sequer ao nível da sintaxe, sobre o que muito haveria a dizer, mas da simples ortografia. Transpor o registo oral para o registo escrito, preservando, de forma escorreita e na justa medida, as marcas da espontaneidade e da coloquialidade do primeiro, é um exercício mais exigente do que à primeira vista pode parecer. E não estou certo de que nas redacções se perceba isto! Apontei recentemente esta aberração. E agora aponto outra que surpreendi numa pequena entrevista a Pedro Abrunhosa, publicada na última página do Diário de Notícias de 6 de Abril, portanto, num lugar nobre do jornal, ainda por cima ao lado da habitual coluna de Ferreira Fernandes! A frase, a propósito da eleição de um cantor para a presidência do Haiti, é esta: «Não podem ser displicientes só porque são músicos.» Claro que o que deveria lá estar era displicentes. A mim, o que me parece é que quem a escreveu não estará ciente, ou consciente, de que o adjectivo displicente provém do substantivo displicência, e não de um hipotético displiciência, que não existe. Não se pede sequer que seja omnisciente, mas será exigir muito que, pelo menos, seja suficientemente proficiente para accionar o corrector ortográfico?! Afinal de contas, que não seja displicente!