O nosso leitor Amadeu Silva está convencido — ou convicto — de que o correcto é: «O Benfica tem ganhado» e não «O Benfica tem ganho». E é disso mesmo que tem procurado convencer os seus amigos. Mas, apesar dessa convicção, o leitor pergunta-nos se ele tem ou não razão.
As gramáticas dizem-nos que o particípio regular (ganhado) se emprega na voz activa, nos tempos compostos, ou seja, com os verbos auxiliares ter e haver; a forma irregular (ganho) usa-se na voz passiva, isto é, com o auxiliar ser, bem como em construções com os verbos auxiliares estar, ficar, andar, ir, vir.
O leitor não tem de hesitar: «Tinha ganhado/aceitado/pagado» são as construções correctas.
Percebe-se por que razão o nosso leitor nos pediu um «aval técnico»: porque o comum dos falantes sente que estas formas são macarrónicas — e quem acaba por ficar malvisto é, afinal, quem fala de acordo com as regras.
Veja-se agora o seguinte: damos razão ao leitor não porque sigamos critérios de correcção naturais da língua, mas porque respeitamos o que vem nas gramáticas. Mas aquilo que vem nas gramáticas é o resultado da observação de usos linguísticos dominantes. Ora, há já um estudo (pelo menos), do linguista Telmo Móia, no qual, através da consulta de uma base de dados, se demonstra que, com o verbo ter, as formas regulares de alguns verbos são muitíssimo pouco frequentes. É o caso, justamente, das formas regulares do particípio dos verbos ganhar, aceitar, entregar, matar, eleger, entre outros. De modo que, muito provavelmente, as gramáticas de um futuro próximo dirão de ganhado e aceitado o que já dizem de muitas outras formas (como colheito, do verbo colher; ou cinto, do verbo cingir): que caíram em desuso.
Seja o leitor condescendente com os seus amigos, porque pode acontecer que, neste meio tempo, o particípio ganhado já tenha morrido, ou esteja morto, mesmo que ninguém, intencionalmente, o tenha matado.
Artigo publicado no semanário Sol de 12 de Abril de 2008, na coluna Ver como Se Diz