Acerca da linguagem relativa ao trânsito automóvel em Portugal, o escritor Miguel Esteves Cardoso critica a falta de economia e a artificialidade do "pretensês", ou seja, da pretensão de falar bem.
Nas auto-estradas vem o aviso: «Com chuva/Modere velocidade.» Porque é que estes sinais não conseguem falar português? Português é a língua como se fala ou como se escreve, quando se quer ser entendido.
Qual é a passageira do banco da frente que diz, caso estejamos a andar depressa de mais: «Com chuva, modere velocidade»? Nem um robô japonês falaria assim.
Dirão que é uma questão de caracteres. Mentira. «Com chuva modere velocidade» tem 27 caracteres. «Se chover, vá mais devagar» tem 26, com vírgula. «Calma, que está a chover» ainda tem menos. O mal destes sinais não é o analfabetismo: as pessoas que os escrevem até sabem ler. É a pretensão de falar bem. Não é português — é pretensês.
O verbo moderar, para estas bestas, é fino e distingue-as do maralhal. Tanto faz ser-se moderador da velocidade como de um debate: incitam-nos a sermos "pivôs" numa discussão entre várias velocidades excessivas.
Porque é que «Modere velocidade» (17 caracteres) perdeu o artigo intermédio a? Porque ocupa muito espaço. Comparado, por exemplo, com «Vá mais devagar» (15 caracteres). «Modere velocidade» é mais um conselho de carreira profissional (vá para jornalista de debates sobre corridas de automóveis) ou um lema latino muito mal transcrito, significando «a moda é fugaz».
Português não é. Como aliás todo o português público não é. «Circule com precaução» admite-se numa rotunda (mesmo não sendo tal coisa). Mas é raro o automobilista que só circule.
In diário Público de 21 de Fevereiro de 2011.