Que a língua varia, toda a gente sabe; que um mesmo falante pode activar diferentes variedades, também. Numa cimeira internacional, por exemplo, não se fala como no café entre amigos.
Há quem pense, no entanto, que isto acontece por uma questão de etiqueta ou requinte linguístico; que usar o nível de língua cuidado é como pôr fato e gravata e fazer salamaleques para não se ficar malvisto (ou, agindo pela negativa, para dar um ar de modernidade ou de originalidade).
Porém, activar o registo de língua formal não decorre de uma necessidade protocolar, mas comunicativa.
Francisco Louçã afirmou, no domingo passado, que a estratégia do Governo para as Estradas de Portugal constitui «a maior marosca da política orçamental» e que «o Governo vai alterar por completo a regras dos pagamentos das estradas e está a fazê-lo de forma manhosa». Mas é burla? É dolo? Não. Ninguém acusará Louçã de ter dito isso. Está em causa a criação de uma empresa de capitais parcialmente privados. Mas burla não é sinónimo de marosca? É. No entanto, a mudança de registo de língua faz toda a diferença.
Os ditos correntes e populares são usados na expressão de emoções ou sentimentos comuns a uma comunidade. O falar espontâneo do quotidiano é, inclusivamente, um factor de inovação linguística. Mas usado na discussão de assuntos que requerem tratamento objectivo, como a gestão do nosso dinheiro, é um substituto barato da palavra pertinente e precisa, o que se reflecte numa diminuição acentuada do grau de informatividade do discurso.
Maroscas, manigâncias, tramóias e quejandos passam, assim, a pertencer ao rol dos chavões que as pessoas repetem quando falam da política nacional, aparentando que sabem revelar-lhe os meandros mais íntimos. Tendo em conta o nível do vocabulário usado, é uma sabedoria que não vai além da dos próprios políticos, afinal.
Artigo publicado no semanário Sol de 9 de Novembro de 2007, na coluna Ver como Se Diz