Dicionário: «Hermetismo — doutrina semelhante ao ocultismo, ao esoterismo e à alquimia, que supõe relações íntimas, correspondências misteriosas entre todas as porções do Universo; carácter do que é incompreensível.»
Exemplos — retirados das duas últimas edições do Expresso, suplemento Actual, secção Música: «psicadelismo aristocrático das origens»; «qualquer coisa de swing na sombra do ritmo»; «a batida como que parece drenada de energia»; «exploração microtonal»; «actividade vulcânica»; «abstracção electrónica».
Duas ressalvas antes de prosseguir. A primeira é para fazer notar que o Expresso tem tido o mérito de apresentar uma secção de crítica musical exclusiva, duradoura e abundante. A segunda é para reconhecer que falar de uma música ou de um disco sem dar a ouvir nada não é tarefa fácil, pois, em última análise, trata-se de fazer corresponder a linguagem musical à linguagem verbal.
Há dois procedimentos básicos neste tipo de crítica: por um lado, pôr no disco numa etiqueta musical (indie, pós-free, semi-funk, etc); por outro, comparar os autores do disco a outros músicos já conhecidos. Depois disto, há seguramente maneiras sóbrias de o crítico se referir à originalidade ou complexidade harmónica e melódica das composições musicais, evitando cair no delírio nevrótico do inefável extasiado. Não é só o uso do vocabulário que causa incompreensão, mas também a sintaxe, que é aqui uma combinatória de palavras em arremedo de metáfora pós-moderna.
Em caso de dúvida sobre o que escrever, vale sempre o adjectivo genial, atendendo a que génio é «um estado de espírito ainda inexplicado que permite desempenhar determinadas funções mais e melhor do que algum senso comum poderia imaginar.» (António Victorino d'Almeida — Músicas da Minha Vida, Dom Quixote, p. 19.)
Artigo publicado no semanário Sol de 15 de Dezembro de 2007, na coluna Ver como Se Diz