Antena 1, noticiário das nove da manhã de sexta-feira (13-04-07): «Portugal poderá ter de rever em alta as contas do défice público, tudo por causa das engenharias financeiras de Manuela Ferreira Leite.»
Este enunciado é pouco informativo e marcado subjectivamente.
O termo técnico engenharia financeira significa: aplicação de instrumentos financeiros na estruturação de soluções para problemas económicos. Na notícia da Antena 1, a expressão engenharia financeira refere-se à venda das dívidas do Fisco e da Segurança Social. Quantos ouvintes conhecerão esta expressão?
Para além disso, ela é usada no plural. Porquê o plural se a operação foi só uma? É fácil encontrar exemplos em que o plural altera o sentido das palavras, com acréscimo de valor pejorativo: «Ele tem visão» — «Ele tem visões»; «Há interesse nisso» — «Há interesses nisso». Assim, no plural, o termo engenharias deixa de estar circunscrito a uma área de especialidade e passa a ser simplesmente um nome derivado do verbo engenhar, ou seja, urdir, tramar. Qualquer outro termo, no singular, apresentaria neutralmente o facto: operação, solução, expediente…
Outro problema deste enunciado está no uso do pronome tudo. Esta palavra tem normalmente a função textual de articular uma sequência enumerativa com uma conclusão. Pode também assinalar que o locutor avalia como excessiva a situação descrita. Dado que, no enunciado da Antena 1, não há nenhuma enumeração, sobra a segunda leitura: o jornalista ajuíza a acção de rever o défice (situação hipotética) e dá-a como excessiva e complexa.
Clareza e neutralidade: duas regras de redacção jornalística abalroadas numa só frase.
*Artigo publicado no semanário Sol de 21 de Abril de 2007