Construir frases não é juntar palavras. Dominar noções de sintaxe não serve apenas para realizar exercícios de divisão de orações em Os Lusíadas. Uma reflexão breve sobre o tema num artigo de Ana Martins no semanário português Sol.
Uma frase só aparentemente é um alinhamento de palavras. As frases são estruturas hierarquizadas, querendo isto dizer que uma dada unidade constitutiva da frase contém em si outras unidades menores, e ela própria faz parte de outra unidade maior. Paralelamente, estas unidades estabelecem entre si relações de dependência: concordam umas com as outras, em género, número e pessoa (sujeito — verbo; sujeito — predicativo; nome — pronome), e, recorrentemente, retomam o conteúdo de outras.
É claro que quanto mais extensa for a frase, mais unidades há para hierarquizar e mais dependências há que estabelecer. Por isso é que traduzir uma frase de Cícero é uma lição de anatomia sintáctica.
Quem escreve todos os dias nos jornais não tem de conhecer os meandros esconsos das teorias sintácticas, nem tem de saber latim, mas tem, seguramente, de reler o que escreve. Parece que não foi aqui o caso:
«O simulacro que, desde sexta-feira, testou a capacidade de reacção das equipas de socorro, face a um sismo de grande intensidade na Região de Lisboa e Vale do Tejo, revelou muitas fragilidades e abriu caminho à sua correcção futura, para que não se repitam em cenário real» (DN, 24/11/08).
A frase já vai um pouco lassa quando chega a «sua correcção», mas depois, na oração final, o eixo desprende-se, deixa de ser «o simulacro» para, sem mais, passar a ser «muitas fragilidades».
Chama-se a isto sintaxe em roda livre…
Artigo publicado no semanário português Sol de 6 de Dezembro de 2008, na coluna Ver como Se Diz.