Quando a anormalidade da escrita é tal, que bloqueia totalmente o entendimento — um exemplo comentado no artigo de Ana Martins no semanário português Sol.
Há meses escrevi aqui um artigo sobre a má qualidade de um texto de promoção turística, apresentado na página web do Allgarve (sic). Dei-lhe o título «É difícil escrever pior». Usei o adjectivo aterrador, porque considerei estarmos num grau máximo de desconstrução linguística. Enganei-me.
Lê-se isto no primeiro parágrafo da sinopse do DVD Inspector Maigret — Série II:
«Michael Gambon recria o seu papel como o detective reconhecido pelo seu cachimbo, criado pela pena de Georges Simenon, regressando em seis novos episódios da série da Granada Television.»
Reconhecemos que todas as palavras usadas nesta frase pertencem à língua portuguesa e, no entanto, não conseguimos reter uma ideia coerente sobre o que está a ser dito… Ainda assim, tentemos uma análise:
«Michael Gambon recria o seu papel» — seu, dele próprio; «…como o detective reconhecido pelo seu cachimbo» — seu, dele, Michael Gambon; «criado pela pena de George Simenon», criado ele, Michael Gambon; «regressando em seis novos episódios«, regressando, ele, Michael Gambon…
Qualquer falante nativo de português, com um baixo conhecimento de línguas, percebe muito melhor a versão em inglês ou em francês do que este texto, na sua língua materna. É triste.
Artigo publicado no semanário Sol de 13 de Dezembro de 2008, na coluna Ver como Se Diz.