Um inapropriado uso lexical abordado nesta crónica do autor, que se transcreve com a devida vénia, do "Diário de Notícias" de 3 de novembro de 2014, intitulada "Oiçam jornalistas: não se faz". Deplorável não foi a situação descrita pela testemunha que, afinal, não testemunhara nada –, mas a própria cobertura jornalística em si.
O destaque dizia: «Estava sozinho num estado deplorável» – [diz] «testemunha». É verdade e é mentira, como se vê nas duas páginas abertas do jornal. José não estava sozinho, estava acompanhado por canalhas que se aproveitaram dele inconsciente para o filmar. O facto imoral – não se abusa de um homem inconsciente – estava demonstrado pela indignidade do jornal que espalhava seis fotos do desacordado José, retiradas do vídeo. Testemunha não era quem falou – testemunha, pessoa que atesta a verdade de um facto, foram todos os leitores com o jornal nas mãos. Testemunha não era, como diz o jornal, «um dos rapazes que partilhou com Zeca uma das últimas noites de excessos, antes do ator decidir internar-se numa clínica de desintoxicação». Esse rapaz é só um chantagista que foi vender as imagens ao jornal, hipótese um, ou um tolo que em nome do sacrossanto direito de todos sabermos tudo foi dá-las ao jornal, hipótese dois. Hipótese dois que o jornal sugere, ilibando o rapaz da venda porca, mas não o iliba a si próprio, jornal, de meter nojo. Deplorável, enfim, não é a palavra certa. Deplorar é respeitar a fraqueza, e não o fizeram com José. Não sei quem ele é, além do que o jornal apresentou: um ator de telenovelas que anda perdido e se internou numa clínica de desintoxicação. As páginas, e não foram só aquelas duas, que o jornal dedicou àquele homem, de quem não ignora a aflição e o grito de socorro, não se fazem. Não se fazem, ponto.
texto publicado no jornal Diário de Notícias, no dia 3 de novembro de 2014, com o título original «Oiçam, jornalistas: não se faz».