Até há algum tempo, o papa e o dalai-lama tinham idêntico tratamento nos meios de comunicação portugueses. Não quer isso dizer que não houvesse um ou outro jornalista que ignorasse a semelhança da função e da designação. O que acontecia é que havia pelo menos um jornalista entre esse desconhecedor e o público que evitava a divulgação da asneira. Por motivos que são conhecidos, mas não são para aqui chamados, esse filtro de cultura desapareceu, e as asneiras ganharam livre curso.
É cada vez mais frequente os meios de comunicação mencionarem Dalai Lama como se fosse o nome de uma pessoa. Escrevem (e dizem) «Dalai Lama discursou na ONU», como se dissessem «Bento XVI discursou na ONU». Porque pensam que Dalai Lama é o nome de uma pessoa. A prova disso é que o artigo definido aplicável a «o dalai-lama» e a «o papa» praticamente desapareceu nas notícias sobre o líder espiritual do Tibete.
A asneira está de tal modo implantada, que mesmo alguns dos que sabem que se trata da designação de uma função usam, inconscientemente, as palavras como se se tratasse de um nome.
Exemplo claro desse entendimento erróneo é uma notícia do Diário de Notícias onde aparece uma lista nominal de personalidades, com a indicação das funções que desempenham ou desempenharam, entre as quais figuram as palavras «Dalai Lama» como se fossem o nome de um «líder religioso».
Ali estão «personalidades como Mikhail Gorbachev, Bill Clinton, Dalai Lama, Gwyneth Paltrow e Hillary Clinton». Substitua-se Dalai Lama por Papa e facilmente se concluirá que nenhum jornalista (quero crer) escreveria semelhante dislate. Escreveria, naturalmente, Bento XVI, por ser este o nome adoptado pelo actual papa. De igual modo, deveria estar escrito «Tenzin Gyatso (dalai-lama)», ou, em alternativa, «o dalai-lama».
Esta confusão à volta do nome e da função do dalai-lama faz-me lembrar, sempre, uma jovem jornalista da rádio que transformou, uma vez, a Baixa Saxónia na «baixa de Saxónia». Estas coisas podem fazer-nos sorrir, mas quando se interpretam como sinais de algo mais sério é possível que deixem alguns a pensar.
NE – Muitas publicações costumam, por uma questão de deferência, grafar estes cargos importantes com inicial maiúscula. É simpático, mas é discriminatório. Não se percebe por que motivo o papa há-de merecer maiúscula, quando um cardeal-patriarca, um bispo ou um pároco a ela não têm direito. A imprensa deve tratar todos da mesma maneira. Isso, sim, é respeitoso para com todos. Mas se o uso da maiúscula deferencial ainda cai no campo da liberdade de estilo, o mesmo já não se pode dizer da ausência do hífen em dalai-lama, conforme atesta qualquer dicionário.