Todas as línguas sustentam e reflectem o reservatório ideológico e o conhecimento de senso comum de uma comunidade de falantes. O recurso a provérbios, ditos, rifões e, de uma maneira geral, a todas as formas sentenciosas consagradas, é o momento em que esses conhecimentos compartilhados são explicitados no discurso. A função deste procedimento é atribuir empatia e autoridade àquilo que se está a dizer.
O mesmo se passa com o recurso à citação de autor: invocar as palavras de outro, quando esse outro tem uma notoriedade universalmente reconhecida, é um pilar da arte retórica.
Há até quem se entretenha a coleccionar citações e adquira dicionários de citações: «Estudai como se vivêsseis para sempre; vivei como se fôsseis morrer amanhã» (Santo Isidoro de Sevilha); «A verdade é tão preciosa que requer uma escolta de mentiras» (Winston Churchill); «Os livros melhores são justamente os que nos dizem aquilo que já sabemos» (George Orwell), etc. É um entretenimento bom, que dá que pensar.
O que é criticável é quando as citações esvaziam o discurso próprio, quando o discurso se passeia de citação em citação, partindo do princípio de que a citação vale por si mesma. É o que acontece frequentemente no programa radiofónico Alma Nostra (Antena 1, terças-feiras), feito de uma conversa entre Carlos Magno e Carlos Amaral Dias. «A inteligência começou perante a morte» (Edgar Morin, programa de 4/3/08); «Quando ouço falar de cultura puxo logo de uma pistola» (Goebbels, programa de 26/02/08); «Tempus fugit»;«O tempo foge, a eternidade avança» (programa de 19/02/08).
As citações (tal como todas as formas sentenciosas) pré-existem ao discurso e quando uma dada citação aí surge é para ser particularizada e servir uma necessidade comunicativa específica.
Falar por citações é fazer de ventríloquo.
Artigo publicado no semanário Sol de 15 de Março de 2008, na coluna Ver como Se Diz