Eu estive lá até às 14 horas e não vi nada de estranho. Havia vários grupos de professores. Quase todos foram mobilizados para participar na marcha em protesto ao aumento do valor do passaporte.
Lembro-me de ter falado com alguns mais velhos. Falaram-me das suas experiências, dos seus sonhos frustrados e, mesmo assim, das suas expectativas.
A avenida ‘Deolinda Rodrigues’ era uma alameda, em que as árvores estavam vestidas de várias cores e cheias de ânimos diferentes.
Todos juntos para um «melhor ambiente social», diziam.
E o Sol parecia ter conquistado um espaço mais para baixo. O largo 1.º de Maio estava quente e molhado com o suor no rosto das pessoas. Num espaço calmo e sem grandes multidões, alguém, um cantor, vendia e autografava o seu mais recente disco. Parecia um feriado antecipado… até eu ligar a rádio e ouvir de um jovem que «os polícias deteram algumas pessoas».
Não podia ser verdade. É verdade que havia polícias a escoltar o pessoal da marcha. Aquele era o lugar mais seguro do mundo. Não tinha como alguém ousar fazer outra coisa senão apoiar ou observar.
Mas o jovem teimava. «Eu estou aqui no Largo e há gente que a polícia deteu», insistia o ouvinte de cuja voz grave, rouca e trémula – que eu acredito que era devido aos gritos – se podia perceber alguma angústia.
Mais tarde, soube de algumas pessoas que a polícia não ‘deteve’ (não tinha detido) ninguém. «Os polícias não detiveram ninguém», confirmou um manifestante, clarificando que o que de facto aconteceu foi a dispersão de alguns jovens que tentavam fazer “arruaça”.
E concluí que houve confusão. Muita gente faz confusão com ‘deter’ e seus semelhantes e, por isso, são, muitas vezes, ‘marginalizados’.
'Deter' (tal como conter, manter, reter, obter, etc.) é da mesma família de 'ter’. A sua conjugação processa-se da mesma forma, salvo nas segunda e terceira pessoas do singular, no presente do indicativo, em que se coloca o acento gráfico (acento agudo), por serem palavras oxítonas terminadas em ‘-ens’ e ‘-em’.
Devemos, portanto, dizer, caso tivesse havido detenções que a polícia ‘deteve…’ ou os polícias ‘detiveram…’
Se a polícia algum dia detiver alguém, trate de passar correctamente a informação.
Crónica do autor publicada no semanário angolano Nova Gazeta de 31/01/19, na sua coluna "Professor Ferrão". Manteve-se a norma ortográfica seguida em Angola.