«Não devemos esfolar um coelho antes de o caçar», disse o primeiro-ministro português, numa confusão com outro provérbio de sentido similar. «Afinal, não era de economia que ele falava, mas de política»... Crónica do jornalista Ferreira Fernandes publicada no "Diário de Noticias" de 24 de abril de 2014.
(...) [No dia 23/04/2014], num ambiente económico – aniversário do Diário Económico e discussão sobre o fim da troika – Pedro Passos Coelho saiu-se com esta frase: «Não devemos esfolar um coelho antes de o caçar.» A assistência riu, como nos cabe, povo simpático, perante frases surpreendentes. É verdade que o primeiro-ministro, sorrindo, mostrou que assumia a piada quando prosseguiu: «Eu que estou aqui e sou Coelho, não gostaria de ser caçado antes de poder dizer que nós concluímos todos os exercícios do programa de ajustamento.» Ora tudo isto não faz sentido nenhum. A menos, como julgo, que o faça. Comecemos pelo inverosímil: «Não devemos esfolar um coelho antes de o caçar» dito por alguém chamado Coelho ou Melquíades é o mesmo, é sempre tolo. Mesmo os portugueses acusados de pouco sentido prático sabem que esfolar um coelho que esperneia é difícil, quanto mais ousar fazê-lo a um que ainda corre nos bosques! Por isso, porque o povo é sábio, é que não há nenhum provérbio assim. Há é um provérbio que soa parecido: «Não vendas a pele do urso antes de matá-lo»... E era aqui que o primeiro-ministro queria chegar, tanto que inventou uma frase e colou-se a ela («eu, que sou Coelho»). Afinal, não era de economia que ele falava, mas de política: «A notícia de que o Coelho já está esfolado é exagerada...», lançou ele aos adversários. Foi subtil e se Seguro fosse prudente atirava-se também a provérbios imaginativos. O debate político ficava a ganhar.
texto publicado no "Diário de Noticias" de 24 de abril de 2014, na coluna diária do autor.