Texto lido no I Congresso Internacional da Lusofonia (Sociedade de Geografia de Lisboa, 8-9-10 de Fevereiro 2007) e agora aqui resumido por ocasião do Encontro Internacional sobre Língua Portuguesa e Culturas Lusófonas num Universo Globalizado (Lisboa, 25-26 de Outubro 2010).
Como «projecto ou questão de língua» (o que é algo diverso da questão propriamente linguística e literária), a lusofonia tem de ser encarada, antes de mais, como a justa avaliação e a consequente valorização da língua portuguesa no mundo contemporâneo. Foi, aliás, neste sentido que, em Carta Aberta ao presidente Lula (que, além de publicada em vários sítios, fiz questão de entregar em mão no Palácio do Planalto), me permiti chamar a atenção para o facto de o Espaço Lusófono utilizar uma mesma língua, «a qual, muito mais que a «Última flor do Lácio, inculta e bela», segundo os famosos versos de Olavo Bilac, é hoje, objectivamente e segundo a não menos famosa análise e profecia de Fernando Pessoa, «uma das poucas línguas potencialmente universais do século XXI» (enquanto língua falada em todos os continentes e com um grande país, o Brasil, seu falante), podendo tornar-se um instrumento inigualável de comunicação e de desenvolvimento entre os homens».
Assim entendida, a língua portuguesa poderá e deverá tornar-se uma das grandes (e certamente a mais característica das) riquezas de todos os países e povos lusófonos e todo o investimento na sua cultura e difusão deveria aparecer como o investimento mais inteligente e mais rentável (comparem-se, a propósito, as actividades do Instituto Cervantes e do Instituto Camões!). Por exemplo, o mínimo de inteligência (até económica) que os Estados lusófonos poderiam e deveriam mostrar era assegurar a existência de professores da Língua Portuguesa em todos os espaços do espaço lusófono e no máximo possível de espaços do mMundo contemporâneo; ou ultrapassando os ridículos preciosismos e bairrismos das guerras do alecrim e da manjerona das suas academias e dos seus “intelectuais”, assegurar o cumprimento do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, prova dos noves e condição sine qua non de qualquer «Lusofonia da Língua», tanto no âmbito dos espaços lusófonos como fora deles; ou assegurar, sem excepção alguma, a utilização da Língua Portuguesa em todos os lugares e encontros internacionais e não permitir, sob nenhum pretexto, que uma das línguas mais faladas do mundo seja constantemente reduzida ao lugar e papel de uma língua insignificante ou inexistente (na ONU, no Vaticano, etc.). E bastaria dar exemplos grosseiramente caricatos como o seguinte: na cerimónia em que o então considerado melhor futebolista do mundo (Ronaldo, lusófono) recebeu do presidente da FIFA (João Havelange, lusófono), sob os olhares do considerado melhor futebolista de sempre (Pelé, lusófono), o respectivo prémio, alguém ouviu uma palavra em português?...
No recomeço, das suas actividades, a partir das instalações cedidas pela Universidade Lusófona, o Ciberdúvidas publicou um emblemático texto de José Saramago, emblematicamente intitulado: Uma língua que não se defende, morre. «Intelligenti pauca!» ou seja, a bom entendedor... Quem não se respeita a si próprio não merece e não terá o respeito de quem quer que seja!
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É enquanto projecto de estratégia comum de desenvolvimento humano sustentável e de espaço geopolítico próprio que a lusofonia tem a sua primordial razão de ser, para realização de todos os países e povos lusófonos e como contributo para a realização do “Fenómeno Humano” universal ou, em linguagem menos teilhardiana, para a realização equilibrada da globalização societal contemporânea.
Para a descoberta e a prática sadias e descomplexadas desta vertente geoestratégica da Lusofonia, que dá sentido e conteúdo a todas as outras, essencial é o recurso permanente a uma “Crítica da Razão Lusófona”, a qual, à semelhança do que o filósofo Kant pretendeu fazer tanto para a “Razão Pura” como para a “Razão Prática”, estabeleça as condições de legitimidade, de possibilidade, de necessidade e de urgência da construção da Lusofonia, que, também kantianamente, poderiam intitular-se de “Prolegónemos a toda a Lusofonia Futura” e relativamente aos quais me permito remeter para o citado opúsculo: Para Uma Crítica da Razão Lusófona, Onze Teses sobre a CPLP e a Lusofonia”.
Uma tal “Lusofonia” e uma tal “Comunidade Lusófona” em nada se opõem, antes pelo contrário, não só ao diálogo omnitotidimensional com as outras comunidades humanas e geopolíticas do mundo contemporâneo como também, especificamente, aos reais ou eventuais processos em curso da “Mercosulização ou até Alcaização do Brasil” (desde que respeitando as “soberanias” de todos, Lula dixit!), da “Aliança Mercosul-União Europeia” (tão desejável, e até aqui tão dificultada por Bruxelas e tão mal entendida por Lisboa!), da “Integração Europeia de Portugal” (desde que ultrapassando tanto o que designei a “doença infantil do luso-europeísmo” como, aliás, o que também designei a “doença senil do patrioteirismo antieuropeu”), das várias “Integrações Regionais dos Países e Povos Africanos e Asiáticos Lusófonos”, de todas as “Aculturações de todas as Diásporas de Língua Portuguesa” e da “Globalização Societal à Escala Planetária”, opondo-se, sim e frontalmente, à “Loucura Terrorista” e à “Histeria Antiterrorista” que o dia 11 de Setembro de 2001 desencadeou nos Estados Unidos e na Humanidade e que, uma e outra, constituem, por razões diversas mas com possíveis idênticos resultados, sérias ameaças de regresso à barbárie, mediante o incumprimento ou o esquecimento da tão longa e tão difícil conquista que foram o Estado Democrático de Direito e o primado do Direito Internacional sobre a força bruta bem como da única e para todos (“terroristas”, “não-terroristas” e “antiterroristas”) obrigatória “Carta Magna” da Civilização que é a “Declaração Universal dos Direitos Humanos”.
Só uma tal “Lusofonia” ou uma tal CPLP ou uma tal “Comunidade Lusófona” assim “cultural” e “linguística” e assim “geopolítica e geoestratégica” poderá tornar-se a via real, senão única, de desenvolvimento humano sustentável e de legítima afirmação global de todos os Países e Povos Lusófonos, assim aparecendo, também, toda a pertinência da “Tese sobre a Lusofonia: Mais que projecto ou “questão cultural” e até “linguístico-literária”, a Lusofonia é, obviamente, um importante projecto ou uma importante “questão de Língua” e, sobretudo, um importantíssimo projecto ou uma importantíssima “questão de estratégia comum de Desenvolvimento Humano Sustentável e de Espaço Geopolítico Próprio no globalizado mundo contemporâneo. O que também é válido para a CPLP, que deveria adoptar o nome menos restritivo e mais cairológico de Comunidade Lusófona.
Cf. Conceito de Lusofonia, de Maria Sousa Galito.