«(...) A defesa da utilização da língua portuguesa no plano internacional é uma batalha que merece ser travada. E o combate tem de ser liderado por Portugal. (...)»
Uma conferência sobre os 30 anos da língua portuguesa na União Europeia, que esta semana decorreu em Lisboa, não mereceu atenção da imprensa diária, que por acaso precisa dessa matéria-prima para trabalhar. Mas isto é apenas o corolário da falta de estratégia a que nos últimos 40 anos os sucessivos governos têm votado o português. Os números são incontornáveis. Segundo o estudo “Potencial económico da língua portuguesa”, os 250 milhões de falantes representam cerca de 3,7% da população mundial e detém 4% da riqueza global; os oito países de língua oficial portuguesa dispõem todos de amplas plataformas marítimas; e a língua portuguesa é a quarta mais falada do mundo e regista uma das taxas de crescimento mais elevadas na internet (5ª língua mais usada), nas redes sociais (3.ª língua mais usada no Facebook) e na aprendizagem como língua estrangeira.
Ou seja, a base existe, é ampla, mas o seu potencial está por realizar. Quem o reconhece é o citado estudo: “O português ainda não tem no comércio mundial um peso correspondente à importância do seu PIB.” E há ameaças. Como foi referido na conferência, existem cerca de 6000 línguas atualmente, mas 2500 deverão desaparecer até ao final do século. O português não corre esse perigo, mas não por causa da população portuguesa, que está a encolher. A sua força vem de ser falada por quase 200 milhões de brasileiros, mas também dos mais de 25 milhões de moçambicanos e mais de 21 milhões de angolanos.
Ora, nas instituições europeias a defesa do português ou é feita por Portugal ou não existirá. E embora seja uma das 23 línguas oficiais da União, o certo é que o português é maltratado ao nível da tradução e interpretação. O ex-eurodeputado José Ribeiro e Castro enunciou situações em que os serviços europeus tentaram evitar a existência de tradutores para português ou o caso caricato de ter de redigir um documento com um representante moçambicano em... inglês. No caso do registo de patentes, a proposta da Comissão (aprovada com o voto português) para que sejam apresentadas apenas em francês, inglês ou alemão vai claramente contra o interesse das empresas nacionais (embora o seu custo de registo possa tornar-se mais baixo).
Por outras palavras, a defesa da utilização da língua portuguesa nas organizações internacionais (na ONU não é língua oficial) é uma batalha que merece a pena ser travada. E esse combate tem de ser liderado por Portugal. Talvez não seja difícil que todos os partidos portugueses se ponham de acordo e atuem em conformidade. Não é só a defesa da nossa identidade que está em jogo; são também os benefícios do ponto de vista cultural, científico e económico que daí podem advir. E só uma pessoa pode dar o pontapé de saída para esta atuação conjunta: o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Texto publicado no semanário Expresso, de 1 de outubro de 2016.