Não sei se me apetece falar de alguma coisa. Não me apetece falar de qualquer coisa. Talvez, afinal, nem sequer me apeteça falar de coisa nenhuma. Ou seja do que for. Nem com ninguém em particular sobre coisa alguma. Provavelmente já disse tudo o que tinha a dizer. E a sensação é a de que, mesmo que tenha dito tudo, nada mudou, nem em função disso, nem em consequência disso. É fácil observar que os meus sensores são suficientes para receber informação do exterior, mas grande parte dessa informação não desencadeia em mim qualquer vontade ou reacção. Estou entediada. De facto, acho que estou enjoada. «Não há "papo de anjo" que seja o meu derriço.»1 Ou estou farta. Estou farta de fazer o pino e de puxar a carroça. De obrigar a que as coisas aconteçam. De ter as costas largas. E, mesmo que isto me pareça absurdo, estou um bocadinho farta de eleições. Ou talvez, só, desta campanha eleitoral. E, já agora, um bocado farta do país. Da Europa. Dos EUA. Do Mundo. Na verdade, sinto-me lograda. Lograda nos valores e na falta deles. Nas expectativas e na falta delas. Nas ideias que não têm pernas para andar. Nas liberdades e nas restrições. Nos erros graves que ficam por julgar. Na responsabilidade política com força vital de bola de sabão. Não percebo que pretendam que eu vote. Ou será que não pretendem?
Mas, hoje, acordei especialmente bem-disposta. E cedo. Tive ganas de começar a falar pelos cotovelos. Sinto que vou distribuir palavras doces já ao pequeno-almoço! O coração cresce. Quem sabe, talvez alguém esteja à espera da minha palavra-click, uma lufada de ar fresco, um balão de oxigénio, um trampolim de força, um alvo de vontade. «... Acaso o nosso destino, tac!, vai mudar?»2. Estou pronta a partir. Estou pronta para outra. Estou viva. Estou ávida. Não vale a pena contrariarem-me. Vou querer mandar recados. Estou mesmo capaz, enquanto espero, de escrever já à Senhora Ministra da Educação a sugerir que institua, desde a primeira aula do ensino básico, o ensino e a prática de cada falante saber como apresentar-se oralmente, como saudar, como pedir a palavra e intervir, como utilizar as formas correctas de tratamento em português europeu! Quem sabe, talvez dispuséssemos, de aqui a alguns anos, de cidadãos mais intervenientes e mais corre(c)tos nas suas intervenções. É que ainda estou lembrada de uma faixa que uma associação de estudantes do ensino superior tinha pendurado à porta da escola, por altura de uma visita do Presidente da República, e que começava assim: «Exmo. Senhor Presidente, você não sabe que...?»
Muitos se questionam por que razão a Língua Portuguesa, sendo a terceira língua europeia mais falada no mundo, é tantas vezes «passada para trás», em situações e organismos institucionais em que seria natural que se encontrasse bem defendida e representada. Até ao presente, o conjunto dos países que têm o Português como língua oficial não tem sido capaz de apresentar uma política de língua conjunta, pelo que, em vez de uma dimensão internacional bem reconhecida, a Língua Portuguesa tem estado ao dispor dos que, refastelados numa ignorância empertigada ou albergados numa globalização interesseira, a consideram uma espécie de variedade «algo estranha» do Espanhol.
Urge, pois, repensar o Português a nível nacional e internacional. Portugal tem de avançar na identificação do que pode e deve fazer relativamente ao ensino do Português como língua materna, ao ensino do Português como segunda língua aos cidadãos estrangeiros que residem em Portugal, e ao ensino do Português como língua estrangeira, com especial atenção ao ensino no interior da União Europeia.
Variantes relativamente frequentes, algumas até inusitadas, da relação pátria-língua portuguesa poderiam também chamar a atenção do nosso futuro PR para a necessidade de zelar pelo regular funcionamento desta nossa instituição!
1 Alexandre O'Neill (1965) Portugal, Feira Cabisbaixa.
2 Alexandre O'Neill (1958) Se, No Reino da Dinamarca.
in "Público", 18 de Janeiro de 2006