A experiência da solidão num café leva-nos a aguçar não o espírito mas a audição. Quase sem darmos conta, começamos a acompanhar as conversas alheias, a tentar perceber os contornos das situações, a catalogar pessoas, a desvendar os significados ocultos das palavras que usam...
− Não sei o que a stora vai meter no teste…
− Opá, ela mete cá com cada teste! Se sair a ética, o que é metes na resposta?
− Tu não te metas a adivinhar! E deixa de meter likes nas tuas redes. O melhor é metermo-nos a estudar!
− Bora lá, meter a mão na massa!
(hum hum, alunos – escola; meter – colocar, elaborar, responder, pôr, assinalar, começar, estudar…)
Noutra mesa:
− Quando chegares ao teu quarto, metes a roupa no armário e metes o dinheiro dentro da almofada. Presta atenção onde metes as chaves…
− Está bem! Estás a meter-me medo!
− Comporta-te e estuda muito que depois o pai mete uma cunha e mete-te lá no escritório da fábrica. Ainda vais conseguir meter a mão na massa!
(pois bem; mãe − filho − erasmus; meter – arrumar, esconder, guardar, assustar, recomendar, arranjar emprego, enriquecer…)
Atrás de mim:
− No episódio de ontem, a miúda meteu-se com um gangue. Ao fim de um mês, até metia pena!
− Pois foi! Depois, o pai descobriu que ela metia dinheiro ao bolso e queria metê-la no Colégio Militar.
− Durante uns tempos, ela ainda lhe meteu os dedos pelos olhos, mas ele acabou por descobrir que ela se tinha metido com o chefe do gangue. Então, ele quis meter-se entre os dois.
− Depois, a miúda meteu-se em casa durante um mês inteiro e meteu-se com outro rapaz na internet. Mete nojo!
− Opá! Vocês as duas estão a meter-me inveja. Não consigo acompanhar a novela! Uma coisa é certa: sempre que pode, essa rapariga mete a mão na massa!
(ora, três amigas – telenovela; meter – integrar, inspirar, roubar, internar, enganar, envolver, colocar-se entre, fechar-se, seduziu, causar, provocar, namorar de forma efusiva…)
No canto…
− Opá, tu até metes dó! Eu sei que tu andas a meter a mão…
E pronto, chega! Chega de me meter nas conversas alheias. É verdade que o verbo meter consegue meter o Rossio na Betesga, mas estas aprendizagens podem influenciar quem se mete com elas e é fácil começar a meter a pata na poça. O mais certo é acabar a usar o meter como bengala para dizer tudo e ainda me arrisco a ouvir:
− Mete-te na tua vida! Onde é que estás a meter o nariz? Agora deu-lhe para se meter a dicionário! Ainda lhe meto um chapadão na cara!
E eu, metida comigo, sem saber no que me poderia estar a meter e com medo de me meter em maus lençóis, meto-me nas encolhas, meto a “tradução” feita coscuvilhice no saco, meto o rabo entre as pernas, meto-me a andar, meto-me no carro, meto a primeira, meto por uma ruela e tento meter a curiosidade noutro sítio, antes que meta água.